2019 marca os 55
anos de uma campanha hoje esquecida que enganou milhares de famílias e até hoje
ninguém explicou onde foi o dinheiro das doações e de todos os valores em
joias e objetos arrecadados. O nome do golpe que muita gente caiu: “Ouro para o bem do
Brasil”. Tudo aconteceu em 1964 após o marechal Humberto de Alencar Castelo
Branco tomar posse na presidência da República, embora ele nem seu governo
tenham a ver com essa farsa.
Evidentemente, a Nação estava de cofres vazios após a crise política e econômica que resultou no
afastamento do antecessor João Goulart e diante do quadro desolador, os Diários
e Emissoras Associados – grupo de mídia comandado por Assis Chateaubriand, o
“Chatô”- decidem lançar por conta própria uma campanha pedindo à população
através dos jornais, rádios e televisão, todo tipo de joia ou lembrança em ouro
para deste modo gerar lastro ao País e assim se alcançar os dólares necessários
para se sair da crise. Maridos e esposas que doassem suas alianças de
casamento, por exemplo, receberiam de volta alianças de metal e um diploma com
os dizeres: “Doei ouro para o bem do Brasil”.
As reportagens do
então poderoso grupo empresarial, sensibilizaram a população para mais um “ato
de cidadania”. Houve quem doasse colares, brincos e outros objetos de ouro e
até dinheiro do próprio bolso para ajudar o País sair da crise. Assis
Chateaubriand, cujo nome completo era Francisco de Assis Chateaubriand Bandeira
de Mello, comandava este verdadeiro império das comunicações. Só em São Paulo
tinha duas emissoras de rádio, duas TVs e dois jornais, além de uma revista
poderosíssima, “O Cruzeiro”, de circulação nacional.
O nome para a
campanha foi inspirado na Revolução Constitucionalista de 1932, onde o povo
contribuiu com “Ouro para o bem de São Paulo”, criando uma moeda própria que
circulou em todo o estado durante o boicote comercial imposto pela ditadura
Vargas. Só que após o desenlace daquela revolução dos paulistas, o ouro
arrecadado foi devolvido e o que sobrou utilizado na construção de um prédio no
centro da cidade, com o formato da
bandeira de treze listas, na Rua Álvares Penteado, 23.
A campanha “Ouro
para o Bem do Brasil”, de 1964, recebeu o apoio de empresas e prefeituras com
manifestações e desfiles em vias públicas, onde escolares portando faixas,
exibiam dizeres alusivos à proposta. A empresa Dulcora, de São Bernardo
do Campo, fabricante de balas e doces ajudou na campanha modificando a cor da
embalagem de seu principal produto, o Drops Dulcora que de multicolorido passou
a ter unicamente a cor ouro.
A revista “O
Cruzeiro”, em 13 de junho de 1964, traz um balanço parcial da campanha
informando que mais de 400 quilos de ouro e cerca de meio bilhão de cruzeiros
haviam sido doados pelo povo e por autoridades civis e militares. Diz mais:
“… a campanha, primeiro grande movimento dos ‘Legionários da Democracia’, foi
aberta com a presença do senador Auro Soares de Moura Andrade, presidente do
Congresso Nacional, que recebeu do Sr. Edmundo Monteiro, diretor-presidente dos
Associados Paulistas, a chave do cofre em que será colocado o ouro e as doações
em dinheiro que serão entregues, posteriormente, ao presidente da República,
marechal Castello Branco…”
A revista
acrescenta que inúmeras personalidades do governo federal compareceram ao
saguão dos Associados, na Rua 7 de abril, no centro, durante uma vigília cívica
de 72 horas para se emprestar apoio e fazer doações para a campanha do ouro. “…
o ministro do Trabalho, Sr. Arnaldo Sussekind, representando o general Amaury
Kruel e diversas outras autoridades prestigiaram o movimento dos ‘Legionários
da Democracia’. O Governador Adhemar de Barros doou, de livre e espontânea
vontade, os seus vencimentos do mês de abril, num montante de 400 mil
cruzeiros…”. informa ainda a publicação.
Mais de 100 mil
pessoas doaram pertences, “desde os mais modestos até os mais abastados,
depositando cheques de até 10 milhões de cruzeiros, alguns provenientes de
firmas, além de carros oferecidos pela indústria automobilística nacional e
inúmeras outras doações de grande monta”.
As TVs Tupi Canal
4 e Cultura Canal 2, do Grupo Associados, transmitiam da sede da empresa, com o
repórter, José Carlos de Moraes, o “Tico – Tico” narrando ao vivo os
acontecimentos, mas essas imagens não ficaram arquivadas. Não encontramos na
internet de nenhuma gravação alusiva a essa campanha.
Nos jornais,
Diário de São Paulo e Diário da Noite se noticiou que o “Ouro para o Bem do
Brasil” seguiria na capital, até o dia 9 de julho, quando então a peregrinação
teria início no interior do estado. Apesar da
campanha, não há registro de qualquer pronunciamento por parte do governo Castelo
Branco, seja a favor ou contra. Seguimentos mais esclarecidos da sociedade,
entretanto, não se mobilizaram porque era previsível que não se alcançaria o
valor suficiente. Todos país arrecada suas divisas nas atividades do comércio
exterior provenientes da indústria e agricultura, gerando deste modo, bens e
empregos que geram o consumo e movimentam a economia.
A proposta não foi adiante,
não sendo informado, contudo, onde foi parar todo o ouro e o dinheiro, com a campanha
terminando de maneira silenciosa. Nunca se soube do
paradeiro da chave de um cofre entregue de maneira simbólica ao senador Moura
Andrade, contendo esses valores e não se sabe, se ele repassou a chave do cofre
ao marechal Castelo Branco ou a alguma outra autoridade do governo daquela
época.
Isso evidencia que
a campanha “Ouro para o Bem do Brasil” foi uma farsa, um tremendo golpe em
cima de famílias honestas que doaram suas alianças de casamento em troca de
nada. Foi mais uma dessas grandes malandragens que passam impunes entre tantas
outras neste Brasil varonil.
Impunes, os
ladrões procriam e vão se tornando cada vez mais criativos.
Texto muito cultural que deveria circular pelo Brasil para conhecimento da história recente que nem sempre está disponível. A nossa juventude precisa ser informada imparcialmente sobre a nossa história.
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