terça-feira, 10 de setembro de 2019

Os 55 anos da campanha “Ouro para o bem do Brasil”


2019 marca os 55 anos de uma campanha hoje esquecida que enganou milhares de famílias e até hoje ninguém explicou onde foi o dinheiro das doações e de todos os valores em joias e objetos arrecadados. O nome do golpe que muita gente caiu: “Ouro para o bem do Brasil”. Tudo aconteceu em 1964 após o marechal Humberto de Alencar Castelo Branco tomar posse na presidência da República, embora ele nem seu governo tenham a ver com essa farsa.

Evidentemente, a Nação estava de cofres vazios após a crise política e econômica que resultou no afastamento do antecessor João Goulart e diante do quadro desolador, os Diários e Emissoras Associados – grupo de mídia comandado por Assis Chateaubriand, o “Chatô”- decidem lançar por conta própria uma campanha pedindo à população através dos jornais, rádios e televisão, todo tipo de joia ou lembrança em ouro para deste modo gerar lastro ao País e assim se alcançar os dólares necessários para se sair da crise. Maridos e esposas que doassem suas alianças de casamento, por exemplo, receberiam de volta alianças de metal e um diploma com os dizeres: “Doei ouro para o bem do Brasil”.




As reportagens do então poderoso grupo empresarial, sensibilizaram a população para mais um “ato de cidadania”. Houve quem doasse colares, brincos e outros objetos de ouro e até dinheiro do próprio bolso para ajudar o País sair da crise. Assis Chateaubriand, cujo nome completo era Francisco de Assis Chateaubriand Bandeira de Mello, comandava este verdadeiro império das comunicações. Só em São Paulo tinha duas emissoras de rádio, duas TVs e dois jornais, além de uma revista poderosíssima, “O Cruzeiro”, de circulação nacional.

O nome para a campanha foi inspirado na Revolução Constitucionalista de 1932, onde o povo contribuiu com “Ouro para o bem de São Paulo”, criando uma moeda própria que circulou em todo o estado durante o boicote comercial imposto pela ditadura Vargas. Só que após o desenlace daquela revolução dos paulistas, o ouro arrecadado foi devolvido e o que sobrou utilizado na construção de um prédio no centro da cidade,  com o formato da bandeira de treze listas, na Rua Álvares Penteado, 23.

A campanha “Ouro para o Bem do Brasil”, de 1964, recebeu o apoio de empresas e prefeituras com manifestações e desfiles em vias públicas, onde escolares portando faixas, exibiam dizeres alusivos à proposta.  A empresa Dulcora, de São Bernardo do Campo, fabricante de balas e doces ajudou na campanha modificando a cor da embalagem de seu principal produto, o Drops Dulcora que de multicolorido passou a ter unicamente a cor ouro.



A revista “O Cruzeiro”, em 13 de junho de 1964, traz um balanço parcial da campanha informando que mais de 400 quilos de ouro e cerca de meio bilhão de cruzeiros haviam sido doados pelo povo e por autoridades civis e militares. Diz mais: “… a campanha, primeiro grande movimento dos ‘Legionários da Democracia’, foi aberta com a presença do senador Auro Soares de Moura Andrade, presidente do Congresso Nacional, que recebeu do Sr. Edmundo Monteiro, diretor-presidente dos Associados Paulistas, a chave do cofre em que será colocado o ouro e as doações em dinheiro que serão entregues, posteriormente, ao presidente da República, marechal Castello Branco…”

A revista acrescenta que inúmeras personalidades do governo federal compareceram ao saguão dos Associados, na Rua 7 de abril, no centro, durante uma vigília cívica de 72 horas para se emprestar apoio e fazer doações para a campanha do ouro. “… o ministro do Trabalho, Sr. Arnaldo Sussekind, representando o general Amaury Kruel e diversas outras autoridades prestigiaram o movimento dos ‘Legionários da Democracia’. O Governador Adhemar de Barros doou, de livre e espontânea vontade, os seus vencimentos do mês de abril, num montante de 400 mil cruzeiros…”. informa ainda a publicação.



Mais de 100 mil pessoas doaram pertences, “desde os mais modestos até os mais abastados, depositando cheques de até 10 milhões de cruzeiros, alguns provenientes de firmas, além de carros oferecidos pela indústria automobilística nacional e inúmeras outras doações de grande monta”.
As TVs Tupi Canal 4 e Cultura Canal 2, do Grupo Associados, transmitiam da sede da empresa, com o repórter, José Carlos de Moraes, o “Tico – Tico” narrando ao vivo os acontecimentos, mas essas imagens não ficaram arquivadas. Não encontramos na internet de nenhuma gravação alusiva a essa campanha.

Nos jornais, Diário de São Paulo e Diário da Noite se noticiou que o “Ouro para o Bem do Brasil” seguiria na capital, até o dia 9 de julho, quando então a peregrinação teria início no interior do estado. Apesar da campanha, não há registro de qualquer pronunciamento por parte do governo Castelo Branco, seja a favor ou contra. Seguimentos mais esclarecidos da sociedade, entretanto, não se mobilizaram porque era previsível que não se alcançaria o valor suficiente. Todos país arrecada suas divisas nas atividades do comércio exterior provenientes da indústria e agricultura, gerando deste modo, bens e empregos que geram o consumo e movimentam a economia. 

A proposta não foi adiante, não sendo informado, contudo, onde foi parar todo o ouro e o dinheiro, com a campanha terminando de maneira silenciosa. Nunca se soube do paradeiro da chave de um cofre entregue de maneira simbólica ao senador Moura Andrade, contendo esses valores e não se sabe, se ele repassou a chave do cofre ao marechal Castelo Branco ou a alguma outra autoridade do governo daquela época.

Isso evidencia que a campanha “Ouro para o Bem do Brasil” foi uma farsa, um tremendo golpe em cima de famílias honestas que doaram suas alianças de casamento em troca de nada. Foi mais uma dessas grandes malandragens que passam impunes entre tantas outras neste Brasil varonil.

Impunes, os ladrões procriam e vão se tornando cada vez mais criativos.




Um comentário:

  1. Texto muito cultural que deveria circular pelo Brasil para conhecimento da história recente que nem sempre está disponível. A nossa juventude precisa ser informada imparcialmente sobre a nossa história.

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