quarta-feira, 28 de junho de 2023

O futuro de São Paulo nas mãos do mercado imobiliário, mudanças no Plano Diretor para se construir mais edifícios

Faltou transparência às mudanças efetuadas no Plano Diretor Estratégico - PDE aprovado pela Câmara Municipal de São Paulo na última segunda-feira, 26 de junho de 2023.

Os Planos Diretores ocorrem periodicamente para o cumprimento das regras estabelecidas no Estatuto das Cidades para a ocupação de áreas urbanas sem prejuízos à natureza, meio ambiente e memória afetiva de seus moradores.

Dos 55 vereadores paulistanos, 44 votaram a favor das alterações no Plano Diretor estabelecido em 2014 e 11 foram contrários.

O que me chamou a atenção foi a pressa dos parlamentares em aprovar tudo tão rapidamente.

Aconteceram 53 audiências públicas em 40 dias, período curto demais para qualquer questionamento mais fundamentado e vários pontos polêmicos ficaram em aberto.


Urbanistas apontam que houve mudanças significativas em relação ao PDE de 2014. Antes se limitava a altura dos edifícios em bairros já verticalizados como Pinheiros ou Vila Mariana e agora essa altura foi ampliada. 

Para o setor imobiliário as mudanças trarão novas oportunidades de moradia nesses bairros já dotados de toda infraestrutura necessária para uma melhor qualidade de vida.

O mercado imobiliário entende que ao se construir em bairros consolidados, maior número de pessoas terá acesso a transporte coletivo de qualidade e benefícios como escolas, hospitais, parques públicos e shopping centers. 

Números do setor imobiliário indicam que somente 26% dos paulistanos residem em bairros detentores de 80% da infraestrutura urbana qualificada que abrange inclusive, gás canalizado e fiação elétrica subterrânea.

Na zona norte, o Mirante de Santana, que esteve ameaçado pela proposta incluída no plano de se construir arranha-céus em seu entorno, foi salvo pelo vereador Eliseu Gabriel que alertou os demais sobre os riscos aos meio ambiente se promovessem mudanças na região.

Mesmo assim ficaram questões pendentes que deveriam ter sido discutidas para impedir que bairros hoje bem estruturados e qualificados, se transformem em lugares saturados pela quantidade de edifícios e automóveis. 

Ruas estreitas com terrenos antes ocupados por residências de uma só família passarão a ter arranha-céus para 70 famílias ou mais.

O prefeito Ricardo Nunes deve sancionar a lei nos próximos dias, não acredito que haverá vetos significativos. 

Dizem que o futuro a Deus pertence, mas este não é o caso de São Paulo. Aqui, o mercado imobiliário é quem planeja o nosso futuro e o destino fica por conta da complacência dos vereadores com os mais poderosos.


sexta-feira, 9 de junho de 2023

Frei Germano de Annecy, gênio científico, o primeiro a iluminar São Paulo com luz elétrica

Pouco se sabe hoje a respeito de Frei Germano de Annecy, religioso e cientista que morou em São Paulo, professor de Matemática no antigo Colégio Episcopal, atual Arquidiocesano.


Quem primeiro me falou a respeito deste gênio da ciência, foi o saudoso professor emérito da FAU/USP, Benedito Lima de Toledo.

Me lembrei do frei, ao ver a cidade francesa de Annecy estampada no noticiário, em razão de um lamentável ataque criminoso praticado contra crianças, do qual não entraremos em detalhes. 

Algumas das atividades deste cientista estão presentes no livro de Roberto Pompeu de Toledo, São Paulo Capital da Solidão, publicado em 2003 pela Editora Objetiva.


Seu nome de batismo era outro, Claude Charles Marion, nascido em 10 de agosto de 1822, em Annecy, uma bela cidade francesa aos pés dos Alpes, região da Alta Saboya.

Em razão da sua ordenação religiosa, em 1845, modificou sua assinatura, mas seguiu estudando. Graduou-se em Física, Matemática, Botânica, Mineralogia e Astronomia, sua maior paixão.

Viajou para a América do Sul como missionário e nesta condição passou por outros países como Chile e Uruguai.

Veio para o Brasil em 1857, a pedido do bispo diocesano Dom Antônio Joaquim de Melo, que precisava de professores para o Seminário Episcopal que funcionava no prédio onde está a igreja de São Cristóvão, na atual Avenida Tiradentes.

Estudioso dos avanços científicos que levaram à descoberta da eletricidade, o frei realizou a primeira experiência de iluminação pública que se tem notícia em São Paulo, ao utilizar dois eletrodos de carvão conectados a um acumulador colocado dentro de um vidro de remédio.

Em contato um com o outro, os eletrodos aqueciam e ficavam incandescentes. Depois, afastados ligeiramente, formavam um arco luminoso.


Quando São Paulo comemorou em festa a vitória de Humaitá pelos brasileiros, durante a Guerra do Paraguai, em 1868, Frei Germano iluminou o Largo de São Gonçalo, atual Praça João Mendes, também no passado Largo da Cadeia, em frente à igreja ainda existente, como forma de alegrar aquele acontecimento.

Sua experiência se deu antes da comprovação científica de Thomas Edison ao acender uma lâmpada elétrica nos Estados Unidos, em 1879.

O religioso também montou um observatório astronômico no terraço do seminário onde era professor e, no pátio interno, instalou um relógio solar algo até então nunca visto naquela São Paulo do século 19.

Ao fazer uso desses equipamentos conseguia obter a previsão do tempo para o dia seguinte e a explicação para os alunos de fenômenos como eclipses e o movimento dos planetas.

Podemos considerá-lo o primeiro astrônomo e o primeiro “homem do tempo” de São Paulo, muito antes do nosso querido e também saudoso Narciso Vernizzi ter nascido.

A direção da Companhia de Estradas de Ferro São Paulo Railway, após vencer as agruras da Serra do Mar, na ligação por trilhos entre Santos e Jundiaí, achou que o restante seria fácil.

Frei Germano, entretanto, alertou que havia outras irregularidades no terreno até se chegar à capital paulista, mas os ingleses disseram a ele que não se preocupasse.

Aconteceu que, durante a viagem inaugural, o trem da São Paulo Railway descarrilou próximo a uma ponte sobre o Rio Tamanduateí e o acidente causou a morte do maquinista e ferimentos em diversas autoridades presentes nos três primeiros vagões.  

Sua última experiência em São Paulo com iluminação elétrica teve lugar no Largo da Penha, em 8 de setembro de 1877, por conta das celebrações do dia da padroeira do bairro.

A luz elétrica em larga escala só chegou de fato nas terras de Piratininga, em 1905, ou seja, 37 anos depois do teste pioneiro de Frei Germano, quando a prefeitura firmou contrato com a Companhia Light and Power para iluminar a Rua Barão de Itapetininga.

Ao ser transferido para Franca, no interior paulista, Germano de Annecy desenvolveu um relógio solar vertical preservado até hoje em uma praça pública daquele município.

Como religioso passou também por Uberaba-MG onde celebrou missas e desenvolveu ações de pregação religiosa.

Enfraquecido por uma doença chamada beribéri, decidiu retornar à sua terra natal, mas morreu em 1º de maio de 1890, aos 68 anos, a bordo do navio “Bearn”, quando este seguia pelo litoral da Bahia.

A embarcação atracou para o desembarque do corpo que foi sepultado em um cemitério municipal de Salvador.

Frei Germano de Annecy é desconhecido pelos brasileiros de hoje, mas em sua época foi aclamado gênio pela comunidade científica mundial e reconhecido nacionalmente por Dom Pedro II que o considerava “brilhante e notável”.

 

Fontes: Portal GCN - O gênio francês que fez de Franca o seu lar - 01/12/2019 - https://sampi.net.br/franca/noticias/1683084/especial/2019/12/o-genio-frances-que--fez-de-franca-o-seu-lar

Portal Novo Milênio - História da São Paulo Railway: https://www.novomilenio.inf.br/santos/h0102n15.htm

Toledo, Roberto Pompeu/A capital da solidão: Uma história de São Paulo das origens a 1900/Editora Objetiva/1aEdição/São Paulo/2003

sexta-feira, 2 de junho de 2023

Cosmópolis: Livro de Guilherme de Almeida mostra o rosto da São Paulo que se perdeu no tempo

Recebi como presente de aniversário um livro enviado pelo amigo Ademir Medici cujo título é Cosmópolis, escrito pelo poeta Guilherme de Almeida. A obra é resultado de um conjunto de reportagens no formato de crônica poética sobre os bairros paulistanos, feito a pedido do jornal O Estado de S. Paulo no ano de 1929, para as edições de domingo e só depois transformado em livro.

Cosmópolis foi o nome escolhido para a coluna como forma de ressaltar a presença dos imigrantes na São Paulo do ainda jovem jornalista, escritor e poeta.

Defensor dos ideais paulistas em 1932, foi ele quem compôs o poema “Nossa Bandeira”: “Bandeira da minha terra, bandeira das treze listas, são treze lanças de guerra, cercando o chão dos paulistas...”

Em 1962 para saudar o poeta já consagrado, a Companhia Editora Nacional, republicou a coluna Cosmópolis para a venda em livrarias.

Guilherme de Almeida também foi advogado, crítico de cinema, ensaísta e o compositor da belíssima letra da Canção do Expedicionário:

“...Pelos campos que eu percorra, não permita Deus que eu morra sem que volte para lá...”

Sua morte aconteceu quando estava próximo de completar 79 anos e seu corpo está sepultado no Mausoléu do Soldado Constitucionalista de 1932, no Parque do Ibirapuera.


Entre seus livros aparece Cosmópolis, palavra cujo significado designa a concentração de pessoas de várias partes do mundo em um mesmo lugar. A leitura carregada de inspiração poética faz uma visita aos bairros paulistanos de 94 anos atrás.

Tudo se transformou, a descrição impressiona por este motivo, em certos aspectos nem parece ser a mesma cidade.

Maior parte das referências apontadas perdeu-se no tempo, a quantidade de imigrantes era enorme. São Paulo abrigava não apenas italianos ou espanhóis, mas povos de diferentes nacionalidades e de todas as partes do mundo.

Letões, estonianos, húngaros em grande quantidade e sobre eles quase não se fala mais nada.

A Vila Anastácio, vizinha da Lapa na zona oeste, era um reduto de imigrantes do leste europeu, conforme descreve a reportagem na forma de poesia que levou o nome “Confusão báltica”. 

“Esthonia (com ‘h’?) ... Lettonia (com dois ‘tt’?) ... Lituânia (sem ‘h’?) ... Tudo confuso. Onde? Na Europa Oriental? No Báltico? No golfo da Finlândia?... Tudo confuso. E a confusão escura da minha geografia caminha comigo, no lusco-fusco de um crepúsculo dúbio...”

Em 1929, ainda se nadava nas águas do Rio Tietê em seu desenho original, sem a presença do trânsito avassalador em suas margens.

Os caminhos para o interior eram feitos a partir da Rua Guaicurus, sentido da Estrada Velha de Campinas, cujo nome atual é Avenida Raimundo Pereira de Magalhães.

Guilherme de Almeida faz crítica à poluição sonora e ao cheiro forte da gasolina queimada.

“... Pelos barulhos da Rua Guaicurus, caminho de Vila Anastácio, porta de São Paulo, bairro da gasolina. Postos claros e bombas vermelhas... Barulho confuso, de autos, bondes e trens, sob o nariz de São Paulo – o Jaraguá – cheirando de longe o cheiro da gasolina queimada, do ozone e da fumação de carvão - de – pedra...” (07 de abril de 1929).



Imigrantes húngaros estiveram em grande número no Alto da Mooca, mas por lá ficaram reminiscências apenas dos italianos. Em “Rapsódia Húngara”, ele descreve o bairro.

“... Rosa-dos-ventos, Alto da Mooca... aqui em cima moram todos os ventos de São Paulo. Rua do Oratório... que não tem nenhum oratório. Uma subida alongada, cansada... O bairro húngaro de São Paulo...  (10 de março de 1929).


Os orientais da primeira fornada de japoneses vinda ao Brasil em 1908, a bordo do navio Kasato Maru, começa a se mudar para as ruas da
Liberdade, em 1912.  

A Conde de Sarzedas, rua em descida que ao final desembocava em um córrego chamado Lavapés, foi a escolhida por eles.

Hoje canalizado resta do riozinho apenas a lembrança de seu nome, na rua que nos conduz ao Largo do Cambuci.


Acima, um trecho da crônica de Guilherme de Almeida cujo título é, “O bazar das bonecas”. E o poeta prossegue:

“...Japonerie... uma lista de preços escrita em giz branco no quadro-negro com letras japonesas. Um avanço mais pela Rua Conselheiro Furtado e, da Rua Conde de Sarzedas, se observa os telhados pretos, velhos, tristíssimos... da Boa Morte...

No texto, a Igreja de Nossa Senhora da Boa Morte faz parte, segundo o poeta, do bairro oriental. De pé e protegida pelo Departamento do Patrimônio Histórico, a igreja se localiza na Rua do Carmo esquina com a Tabatinguera, construção que nos remonta ao século 18.

Ele escreve: “.... Telhados da Boa Morte... Que ar de Semana Santa, que quietude de defunto, que recolhimento de família enlutada! (17de março de 1929).


A Rua Santa Ifigênia, das lojas especializadas em produtos elétricos e eletrônicos, é uma das marcas registradas da São Paulo de hoje durante o dia. À noite, a clientela passa a ser outra. 

Esta, por sinal, é a única referência boêmia que restou para o bairro de vida noturna agitada no passado e que se tornou não apenas decadente, mas também degradante.

O que permanece é o nome do bairro outrora repleto de bares, cervejarias e de músicas ao piano.

Santa Ifigênia, quem diria, foi uma espécie de Vila Madalena da belle époque e o local de residência dos imigrantes alemães, conforme descrição perfeita do cronista em Chope Duplo”.

“...O relógio alemão dos beneditinos, marcando 11 longos roncos de bronze, encheu de fantasmas a noite... As almas seráficas dos pacientes relojoeiros de Strasburgo, voaram das pedras bizantinas de São Bento nas notas do cobre temperado...

Santa Ifigênia... É o bairro dos pianos. É o bairro alemão. É o bairro do chope. Em cada bar há um piano. Em cada piano há um alemão. Em cada alemão há um chope. Dois chopes duplos. Vinte chopes duplos...” (24 de março de 1929).

O Bom Retiro mantém no século 21 algumas das referências citadas em 1929. Já havia casas que vendem roupas prontas, algo não tão comum naquele tempo. O título sinaliza as outras finalidades do bairro: “O guetto”.

Quarta-feira de trevas. Senti subitamente essa verdade de calendário litúrgico, quando o automóvel atravessou uma nuvem suja, quase compacta, que subia dos trilhos para a ponte de ferro marrom da Estação da Luz.

Treva: uma treva amarelada, com um cheiro forte de carvão-de-pedra, e toda cortada de apitos, escapou dos dois lados da ponte, enovelou- se no ar, caiu na rua e asfixiou o carro.

Quando a nuvem suja se esgarçou toda, puxada por um vento quente e horizontal, já começava a tremer na tarde escura, o filme da Rua José Paulino.

Baixa, comprida e cheia. De todos os lados, casas de roupas-feitas, casas de móveis e pelerias.

Como eu venho do Centro, os seres que rodam pelas calçadas, de volta do trabalho e que vão no mesmo sentido em que vou, não têm caras e para mim têm só costas.

Costas diferentes, pequenas e grandes, claras e escuras, rápidas e vagarosas, direitas e arqueadas...

Aquelas costas nas quais o dia bem trabalhado pesa com uma cruz...” (31 de março de 1929).


A casa onde morou Guilherme de Almeida, na Rua Macapá - Pacaembu sobrevive. A residência foi transformada em acervo que guarda tudo o que pertenceu ao poeta. 

Oito crônicas compõem o livro Cosmópolis, as quatro restantes ficam, quem sabe, para comentários em uma próxima vez.


Postagem de 28/04/2014 para o Blog do Geraldo Nunes no Portal Estadão. Caso possa interessar, acesse pelo google colando na hashtag o link:  https://www.estadao.com.br/sao-paulo/geraldo-nunes/guilherme-de-almeida-chamava-sao-paulo-de-cosmopolis/