Quem mora em São Paulo e nunca ficou parado em um congestionamento que atire a primeira pedra!
Dia desses, um leitor
deste blog e nosso ouvinte de outros tempos, Eduardo Nascimento, me pediu que contasse
a história do trânsito na capital paulista.
Achei interessante a solicitação, porque são poucos na cidade, com exceção dos engenheiros e técnicos, além dos jornalistas especializados em mobilidade urbana, que se interessam pelo assunto.
Para o cidadão comum, o bom
mesmo é se livrar dos engarrafementos e chegar logo ao destino. Mas nem
sempre é assim.
O primeiro congestionamento de São Paulo, noticiado pelos jornais, aconteceu na noite da inauguração do Teatro Municipal, em 12 de setembro de 1911.
Na época, a cidade
contava apenas com 300 carros registrados e desses, cerca de 100 automóveis conduziram
seus proprietários ao espetáculo inaugural que trouxe a leitura de um trecho da
obra de Carlos Gomes, “O Guarani”.
Em seguida, houve a apresentação da ópera de Ambroise Thomas, “Hamlet”, com o cantor lírico Titta Ruffo no papel principal.
O jornal Correio Paulistano
trouxe que as ruas Barão de Itapetininga e Xavier de Toledo ficaram lotadas de carros enfileirados, desde o Municipal até a Praça da República.
O escritor Jorge
Americano, que morava em Santa Cecília, foi ao teatro, mas antes teve que assistir a essa primeira complicação
viária e deixou para o jornal, seu testemunho:
“Às oito o landau estava
parado na nossa porta. Vinte mil reis para levar, esperar e trazer. O cocheiro disse que a coisa estava ruim para ir até lá. Atingimos a Praça da República às
oito e meia. Quando fomos entrando pela rua Barão de Itapetininga tudo parou.
Chegamos ao Municipal às 10 e 15, no começo do segundo ato. Mas ninguém teve a
iniciativa de descer e seguir a pé. Seria escandaloso.”
Por causa do trânsito, o
espetáculo atrasou e a ópera não chegou até o final. O último ato foi suprimido
em razão do horário.
Na saída, tudo parou
novamente e Jorge Americano, disse também, que chegou de volta em casa às 2h30
da madrugada.
Tais acontecimentos não impediram que o carro particular se transformasse na grande paixão dos paulistanos.
Outra reportagem do mesmo
jornal, em 1915, aponta que durante um corso carnavalesco, a Avenida Paulista naquele mês de fevereiro, ficou repleta de “veículos motorizados”.
Durante as décadas de
1920 e 1930 circuitos improvisados foram montados para a realização de corridas.
Em um desses circuitos, entre as avenidas Paulista e Brasil, aconteceu um sério acidente que vitimou pessoas e envolveu a corredora Helle Nice, muito conhecida na época.
Todos os fatos dessa corrida foram narrados pelo locutor Nicolau Tuma, em uma “irradiação” feita por ele, para a antiga Rádio Difusora.
As provas em circuitos
improvisados terminaram com a inauguração do autódromo de Interlagos, em 1939.
No livro “Anarquistas Graças a Deus”, a escritora Zélia Gattai, faz menção às corridas em circuitos interligando cidades, os chamados rides.
Na prova entre São Paulo
e Tatuí, o pai dela, Ernesto Gattai, venceu a primeira disputa, mas em uma
revanche, a pedido de um adversário, sofreu um acidente que quase o deixou
paralítico.
Na década de 1960 os congestionamentos se intensificaram, resultado da implantação da indústria automobilística no País e os bondes foram retirados de circulação. Considerados obsoletos, dizia-se que atrapalhavam o trânsito.
Em 9 de fevereiro de
1967, a direção do DET - Departamento Estadual de Trânsito, foi entregue ao
coronel Américo Fontenelle, pelas mãos
do então governador Abreu Sodré.
O objetivo era dar um
jeito na coisa e Fontenelle que havia melhorado o trânsito do Rio de Janeiro, se transferiu para São Paulo.
Mas o coronel, apesar da
disposição disciplinadora, tomava decisões de um dia para o outro, sem
comunicar as mudanças com a devida antecedência.
“Fontenelle mudava os pontos
finais dos ônibus e as mãos de direção, do jeito que bem entendia, sem avisar a
população pela imprensa, rádio ou televisão nos explicou em uma
entrevista, o arquiteto e urbanista José Eduardo Assis Lefèvre, estudioso das ideias
do coronel.
Vias de tráfego como a 23 de
Maio e a Radial Leste, ainda não existiam. Então, o coronel distribuiu o fluxo de tráfego em
duas rótulas: Principal e Complementar. Estas girariam em sentidos opostos e em mão única. A chegada ao centro ficou
assim facilitada.
Avenidas como a Mercúrio, Senador Queiroz e Ipiranga que já estavam alargadas, passaram a ter sentido único e assim permanecem até hoje, mas o retorno, ficava praticamente impossível.
Todo o tráfego do fim de
tarde era canalizado em ruas estreitas como a Santo Antônio, Jaceguai, Abolição
e dos Estudantes.
Além disso, Américo Fontenelle gostava de multar e mais do que isso, mandava murchar os pneus dos veículos estacionados irregularmente. Isto fez dele, persona non grata entre os paulistanos.
Sua presença na direção
do DET foi de apenas três meses, mesmo assim, entrou para a história da cidade
devido à polêmica que gerou.
“Fontenelle foi
importante a São Paulo por plantar a semente do planejamento de trânsito”, disse
o professor Lefèvre.
Apesar de toda a discussão que as mudanças trouxeram na época, outras rótulas implantadas pelo coronel continuam em operação, como é o caso da mão única no sentido bairro pela Rua Maria Paula e Viaduto Dona Paulina.
Também houve a proibição
do trânsito nas ruas do velho centro que depois seriam transformadas em calçadões e essa, é uma outra decisão de Fontenelle que permanece de pé.
Entre os anos 1960 e 1980, jovens apaixonados por carros ocupavam a Rua Augusta para exibir suas máquinas e promover a paquera, mas isso agora é coisa do passado.
O trânsito de São Paulo
passou a ser administrado pela CET - Companhia de Engenharia de Tráfego, a partir de 1973, quando se iniciaram as obras do Metrô linha Norte-Sul Azul.
Na data que coincide com o nome de uma de suas principais avenidas, em 23 de maio de 2014, todas as marcas de congestionamento registradas até então pela CET foram superadas.
Segundo os boletins da
companhia, a cidade de São Paulo, registrou naquela data, o recorde
histórico de 344 km de vias congestionadas simultaneamente.
Sempre motivo para reclamações, principalmente pelo fato de seus agentes multarem bastante, a CET é odiada por muitos paulistanos. Para essas pessoas, costumo dizer: “Ruim com ela, pior sem ela”.
Caso a CET venha a ser privatizada, como pedem alguns, imagino que os novos gestores continuarão multando e podem até implantar pedágios urbanos, porque as empresas privadas precisam lucrar.
Sabemos que trânsito parado só traz
prejuízos, mas acho melhor deixar tudo como está. Entenderam?
Fontes: Portal São Paulo em Foco, Portal Mobilize e BN
Digital Brasil