terça-feira, 22 de março de 2022

Rua Vergueiro: estrada e o principal caminho para Santos

Sou do Ipiranga e morei perto da Rua Vergueiro. Nos meus tempos de menino, ainda a chamavam de Estrada do Vergueiro.

Essa antiga via, aberta no século 19, serviu de ligação entre São Paulo e Santos até a construção da Via Anchieta.

Seu início se dá quase no marco zero, atual Praça João Mendes, e prossegue na direção do Paraíso, Vila Mariana e Ipiranga, entrecortada por outras avenidas surgidas após as obras do metrô, linha norte-sul azul.


O nome Estrada do Vergueiro, reaparece em São Bernardo do Campo, ao passar pelo humilde bairro de Vila Balneária, que faz margem com o Riacho Grande.

A parte mais parecida com o trajeto original é a do Ipiranga, entre a Avenida Ricardo Jafet e o início da Anchieta.

Quanto à história, essa remonta ao tempo dos tropeiros que seguiam para o Porto de Santos transportando cargas no dorso de mulas especialmente o café para exportação antes da chegada do trem.

A Calçada do Lorena, aberta em 1789 na Serra do Mar, seguia a rota do caminho ensinado pelos índios ao padre José de Anchieta. 

Somente por ela se chegava ao planalto de Piratininga quando Dom Pedro viajou de Santos para São Paulo para proclamar a Independência do Brasil nas margens do Ipiranga, há 200 anos.

Em 1860, ou seja, 38 anos após o Grito, começaram as obras do novo caminho de descida e subida da serra, ao qual se deu o nome Estrada da Maioridade para lembrar a emancipação de Dom Pedro II.

Para administrá-la foi chamado José Pereira de Campos Vergueiro, filho do velho senador Nicolau Pereira de Campos Vergueiro, nobre paulista defensor da independência

Para o jovem coube o trabalho de alargar a Estrada da Maioridade para que circulassem carruagens levando pessoas, além de mercadorias e por causa disso, supõe-se, a via passou a ser chamada de Estrada do Vergueiro.

Parte do trajeto original passava pela atual Estrada das Lágrimas, cujo nome se deve a uma figueira ainda existente que servia de ponto para despedida das mães de seus filhos soldados convocados para lutar na Guerra do Paraguai.

Esta mesma ligação prossegue até São Bernardo do Campo, onde passa a se chamar Avenida Dr. Rudge Ramos.

Todo esse caminho fazia parte da Estrada do Vergueiro que prosseguia beirando a parte canalizada do córrego dos meninos, ingressava naquela que é hoje a rua Marechal Deodoro, vindo depois a Avenida José Fornari.

Como prova de todo esse trajeto tinha apenas um nome, a Estrada do Vergueiro reaparece na Vila Balneária próxima do velho Riacho Grande que hoje abastece a Represa Billings.


A Estrada da Maioridade deu origem ao Caminho do Mar, também chamado de Estrada Velha São Paulo-Santos.

Em 1922 o então presidente do Estado, Washington Luiz, mandou construir o Recanto da Maioridade casa erguida na Serra do Mar, que alguns atribuem ter sido da Marquesa de Santos que ali recebia Dom Pedro I, mas não tem nada a ver, se trata de um equívoco folclórico, porque os dois já tinham morrido fazia tempo.


O visual da Estrada Velha de Santos continua exuberante.


 Fontes: Arquivos de O Estado de S. Paulo e Diário do Grande ABC.

segunda-feira, 14 de março de 2022

No centenário da Semana de 22, gravação inédita na voz de Mário de Andrade pode ser ouvida no Spotify

“Quem guarda tem!”, dizia o repórter Saulo Gomes, com quem trabalhei na Rádio Capital, alguns anos atrás.

Suas palavras me inspiraram a fazer o mesmo e tenho resgatado em podcast, muitas entrevistas que levamos ao ar no programa São Paulo de Todos os Tempos, disponíveis agora no Spotify, em Anchor e outras plataformas.


Desta vez, entretanto, preciso avisar que já está à disposição para quem quiser ouvir, a rara e histórica gravação na qual, o escritor e poeta Mário de Andrade, mostra sua voz em um disco único de alumínio, pertencente à Universidade de Indiana, nos Estados Unidos.

Estamos no ano das comemorações do centenário da Semana de 1922, por isso se faz importante disponibilizar ao público, a edição deste programa levado ao ar em 2015, na qual podemos ouvir a voz do poeta, escritor e pesquisador musical, Mário de Andrade que canta e faz pronunciamentos.

As gravações originais presentes neste exemplar único em alumínio, estão divididas em seis faixas com músicas do folclore brasileiro, interpretadas em português pelo autor de Macunaíma e a participação da escritora Raquel de Queiroz e Mary Pedrosa, então casada com o crítico musical Mário Pedrosa.

Este encontro aconteceu no Rio de Janeiro, em julho de 1940, provavelmente na casa de Raquel de Queiroz.

A descoberta foi anunciada em 18 de abril de 2015, pelo Instituto de Estudos Brasileiros da USP, através do pesquisador Xavier Vatin, da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia.

As gravações foram feitas pelo linguista norte-americano Lorenzo Turner, na época em que Mário de Andrade morou no Rio.

Durante a década de 1930, Mário viajou pelo Brasil para pesquisar o nosso folclore e suas músicas. 

Foi quando descobriu e decorou muitas dessas cantigas populares.

Em Catolé do Rocha, cidade da Paraíba, no sertão nordestino, Mário de Andrade recolheu uma canção que os mendigos cantavam ao pedir esmolas.

O próprio Mário, interpreta esta música na gravação histórica de Lorenzo Turner, a canção se chama “Deus lhe pague a Santa Esmola.”


Uma outra cantiga chamada “Zunzum”, gravada por Mário de Andrade e Mary Pedrosa, ainda é cantada nos festejos de roda no interior de Minas Gerais.

O nome e a letra, entretanto, foram modificados e a canção agora chamada “Peixe Vivo”, faz lembrar o ex-presidente Juscelino Kubistchek.

Raquel de Queiroz foi a primeira mulher a ingressar na Academia Brasileira de Letras. Natural de Fortaleza, no Ceará, faleceu em novembro de 2003.

Amiga e confidente de Mário de Andrade, o recebia costumeiramente em sua casa quando este fixou residência no Rio de Janeiro.

Raquel também deixou registrada uma melodia chamada "Aribu", que aprendeu com um palhaço de circo, no Ceará.

No outro lado do disco de alumínio, o linguista Lorenzo Turner gravou Mário de Andrade, Raquel de Queirós e Mary Pedrosa respondendo perguntas de um entrevistador, possivelmente Mário Pedrosa.

Estes depoimentos comprovam que a voz, é mesmo de Mário de Andrade, ao explicar como desenvolveu as pesquisas sobre o folclore brasileiro e como encontrou as canções dos mendigos.

Se trata de um documento sonoro histórico, até então inédito no rádio, levado ao ar em 2015, no programa Estadão Acervo, produzido pela jornalista Valéria Rambaldi.


O disco em alumínio pertencente à Universidade de Indiana, roda em 78 rpm e foi lançado sem finalidade comercial e sim acadêmica.

Daí o fato de as músicas serem cantadas sem acompanhamento.

Por ser um material raro que a universidade norte – americana disponibilizou na internet, nossa produtora fez na época todos os trâmites para que apresentássemos em primeira mão aos ouvintes.

Para ouvir agora essas gravações, acesse o nosso podcast que leva o nome São Paulo de Todos os Tempos, disponível no Spotify.

Se preferir clique no link abaixo:

 Ouça a voz de Mário de Andrade #118 - São Paulo de Todos os Tempos | Podcast no Spotify

 Ou:

Ouça a voz de Mário de Andrade #118 by São Paulo de Todos os Tempos (anchor.fm)

Percebeu? Quem guarda, tem.

 

sábado, 5 de março de 2022

Foto histórica mostra descida da serra de Paranapiacaba a Cubatão em linha de trem desativada há décadas

Encontrei essa foto no Facebook, postada por uma pessoa que não consegui localizar, mas por ser histórica estou postando aqui.

A fotografia foi tirada por alguém no meio da mata para mostrar a descida da Serra de Paranapiacaba por um trem de passageiros da pioneira Estrada de Ferro São Paulo Railway, inaugurada em 1876. 

Esta ferrovia depois chamada Santos - Jundiaí, possibilitou o desenvolvimento do Brasil por facilitar as exportações de café que seguiam do interior de São Paulo com destino ao Porto de Santos.

Após a chegada do trem, a capital paulista ganhou o título de "cidade que mais cresce no mundo" e o transporte de passageiros também cresceu. 

Um abismo de 796,6 metros separa o planalto de Piratininga das praias do litoral e para transpor essa distância foram construídos viadutos por um trajeto curto, de apenas 7,5 quilômetros.

Essa obra de engenharia é considerada monumental para a tecnologia que havia na época, mas infelizmente não pode mais ser utilizada.

Os alicerces de ferro que sustentam os trilhos estão corroídos pela maresia e os dormentes dos trilhos estão podres e reconstruir tudo sairia caro demais.

Daí nossa dúvida em saber se a foto era verdadeira porque os vagões que aparecem não são os originais, somente o locobreque que segue à frente.




Encaminhei a foto para o jornalista Ademir Medici, responsável pela coluna Memória, do Diário do Grande ABC, e
le a repassou para o pesquisador Adalberto Dias de Almeida, um estudioso do sistema ferroviário.

Adalberto confirmou ser a foto verdadeira (tirada  provavelmente em 1974 com filme colorido), antes da implantação de um outro sistema ferroviário chamado cremalheira.

O especialista explicou que a máquina que segue à frente não se chama locomotiva e sim locobreque, pelo fato de servir como contrapeso para que os vagões sejam conduzidos por cabos de aço movimentados por locomotivas fixas.

Os vagões que aparecem são mais recentes, de tecnologia norte-americana, montados em aço inox pela Mafersa, empresa que funcionou de 1944 até 1999, no bairro da Lapa, sob administração da Rede Ferroviária Federal.

São vagões elétricos que circulam até hoje pela CPTM sem necessidade de serem puxados, mas como não havia eletricidade ao longo do trecho serra, tinham que ser movimentados pelo sistema funicular.


O funicular de Paranapiacaba se manteve em funcionamento como atração turística até 1994, quando teve suas operações encerradas.


A diminuição na demanda do transporte de cargas por ferrovias transformou o funicular em história.

De vez em quando aparecem uns malucos que fazem passeios pisando nesses dormentes podres e o risco de morrer, é enorme.


O acesso é proibido, mas há sempre os que burlam a lei e se arriscam.

Disso tudo, veio o nosso interesse em compartilhar a fotografia histórica com o prestimoso Ademir Medici, repórter memorialista da região do ABC, sempre atento ao nosso passado cheio de novidades.

Seguem mais fotos dos trens de Paranapiacaba, um distrito de Santo André.








quarta-feira, 2 de março de 2022

Depois do carnaval vem a quaresma com suas crenças, crendices e chatices

Os cristãos chamam de quaresma o período de 40 dias que vai da quarta-feira de cinzas até o domingo de páscoa.

Essa palavra vem do latim e traduzida em sua forma literal significa, “quadragésima”.

Temos ouvido muito no Brasil a palavra quarentena, por causa da pandemia, que não significa necessariamente 40 dias de isolamento para a covid-19.

Antigamente, quando se suspeitava da existência de alguma doença entre passageiros ou tripulantes de um navio, esse ficava retido 40 dias ao largo do porto, sem atracar.

Diz a religião que todos os pecados praticados, inclusive durante o carnaval, podem ser compensados na quaresma, se houver algum tipo de sacrifício, também chamado de mortificação.

Existem pessoas que ainda guardam o costume de não comer carne nas sextas-feiras durante a quaresma.

No passado as tradições eram mais rígidas e algumas, é bem verdade, exageradas, a ponto de se tornarem chatas.

Se alguém lembrasse de uma música de sucesso no carnaval e saísse cantarolando nas ruas ou mesmo dentro de casa, durante a quaresma, cometia pecado.


Em algumas residências se ralhava com alguém que ficasse se admirando diante do espelho nesse período.

As moças que usavam maquiagem ou perfumes em demasia eram chamadas à atenção, por serem sinais de vaidade.

Namorar, dançar, assobiar, ou demonstrar alegria na quinta ou sexta-feira da paixão, se constituía em falta de respeito a Jesus por ele ter passado esses dois dias em profundo sofrimento.


Algumas crendices sobrevivem: Em Joanópolis, cidade do interior paulista, alguns moradores ainda dizem que uma mula sem cabeça ronda a cidade durante a quaresma.

Em Piracaia, na mesma região, senhoras que moram lá me disseram terem visto lobisomens que sempre aparecem às sexta-feiras perto da meia-noite.

Mesmo em São José dos Campos, cidade industrializada e populosa, um grupo de pessoas conhecido como “Louvadores de Almas”, mantém a tradição religiosa de bater de casa em casa durante a quaresma para rezar com as famílias.

Em Petrolina, estado de Pernambuco, ainda ocorre algo horripilante: Pessoas que se sentem pecadoras, praticam durante a quaresma o autoflagelo, ou seja, ficam se batendo com um chicotinho.


Todos os anos, durante a primeira hora da quinta-feira da paixão, alguns séculos de história percorrem as ruas da cidade de Goiás, antiga capital do estado, onde nasceu a poetisa Cora Coralina.

Pessoas vestidas de branco, encapuzadas, saem carregando tochas até a igreja de Nossa Senhora da Boa Morte onde uma multidão as aguarda.

Este ritual conhecido como Fogaréu de Goiás, traz consigo uma tradição ibérica do século 17.

Não tem nada a ver, mas a roupagem é assustadora, faz lembrar a Ku Klux Klan, organização de extrema-direita dos Estados Unidos que defende a supremacia branca e pratica uma espécie daquilo que pode ser chamado de nacionalismo exacerbado.

A tradição seguida pelos goianos, é meramente cristã e chegou ao Brasil inspirada nas procissões realizadas em Lisboa, Sevilha e Toledo, todas quintas-feiras santas, mas durante o dia, antes da cerimônia do lava-pés.

Tal procissão na cidade de Goiás, começou em 1745, trazida pelo padre português Perestrello Espíndola.


Essas proibições durante a quaresma de passado recente do século 20, se constituíam em tremendas chatices como, por exemplo, deixar de ligar aparelhos de rádio ou televisão na sexta-feira santa.

O respeito era tamanho que até emissoras nessas datas religiosas, costumavam mudar sua programação para levar ao ar o dia todo, programas religiosos com músicas sacras ou clássicas.

Todos esses sacrifícios terminavam no sábado de aleluia, dia da malhação de Judas, brincadeira considerada ofensiva e de mau gosto.

O mais importante é que depois quaresma, vem a Páscoa! Graças a Deus!



Obs: Valéria Rambaldi - jornalista colaborou na pesquisa