segunda-feira, 28 de agosto de 2023

Cracolândia: uma história difícil de ser contada

O Supremo Tribunal Federal - STF está a apenas um voto para formar maioria a favor da descriminalização do porte da maconha, o placar da ação está 5 a 1 e o resultado preocupa.

Sabe-se que o uso recreativo da maconha abre portas para o consumo de drogas mais pesadas e a quantidade de dependentes químicos cresce a cada dia no país e no mundo.

Todas as grandes cidades, em qualquer parte do planeta, carregam consigo chagas sociais difíceis de serem tratadas, uma delas é a Cracolândia que temos em São Paulo desde 1994.

O nome criado pela mídia veio por inspiração da Disneylândia, a terra dos personagens de Walt Disney. Lândia significa terra, portanto, Cracolândia igual a Terra do Crack.

A palavra crack vem do inglês e significa quebrar, partir, romper.

O crack é a sobra da fabricação da pasta de cocaína, droga também devastadora para o corpo e a mente, dizem os médicos.

Este resíduo da cocaína se acumula em pequenas pedras que começaram a ser distribuídas pelos traficantes inicialmente nos Estados Unidos, em 1984.

Desde então o consumo da droga explodiu para o mundo todo, devido ao baixo custo que a torna acessível às classes sociais menos favorecidas.

A primeira apreensão de crack no Brasil aconteceu em 1990, no bairro de São Matheus, em São Paulo.

A maior Cracolândia do mundo está na terra de Tio Sam, na área central de Los Angeles, em Skid Row, bairro a menos de meia hora das mansões suntuosas de Hollywood e da Calçada da Fama.

Skid Row reúne a maior concentração de pessoas em situação de rua dos Estados Unidos, são 18 mil no total e viciadas em crack, algo em torno de 4 mil.

De cada 10 pessoas que circulam na Cracolândia paulistana, seis são usuárias da droga que agem como escravas dos traficantes.

Para obter suas pedras, usam de violência e cometem todo tipo de delito.

A Cracolândia surgiu em São Paulo na década de 1990 e uma das razões, diz respeito à decadência do centro.


Lugares desocupados da região central se tornaram inóspitos especialmente  depois da saída da Estação Rodoviária, transferida do centro para o Terminal do Tietê.

Ruas como a Helvetia, Conselheiro Nébias, Frederico Steidel, Gusmões, Vitória, Guaianases e Praça Princesa Isabel, antes movimentadas, viraram ponto de encontro do submundo do crime.

Com o passar do tempo a Cracolândia foi mudando de endereço, conforme a ação da polícia para coibir o narcotráfico.

A Rua Mauá, próxima da Estação da Luz e a Alameda Dino Bueno, nos Campos Elíseos, passaram a ser lugares ocupados não só por moradores sem-teto, mas também pelos consumidores de crack.

Mais recentemente uma aglomeração desses dependentes químicos em um trecho da Rua Santa Ifigênia, famosa pelo comércio de eletroeletrônicos, causou protesto por parte dos lojistas.

A polícia tirou os invasores da região e a Secretaria da Segurança Pública, tentou levá-los para um trecho do bairro Bom Retiro, próximo da Marginal do Tietê, mas os usuários retornaram ao centro para ficarem próximos dos traficantes.

Ações dos governantes na tentativa de resolver o problema sempre aconteceram a cada gestão, tanto no âmbito municipal quanto no estadual, mas todas as vezes surgem opiniões contrárias ao que está sendo feito.

Um programa social da prefeitura chegou a oferecer, além do tratamento médico para os usuários de drogas, moradia paga em hotéis baratos da região central e trabalho de varrição de ruas, pagando pelo serviço 15 reais diários.

Mais adiante uma outra proposta tentou na marra, internar os dependentes químicos, mas a medida mostrou-se ineficaz.

A conclusão foi que para conseguir resultados, é necessário que o usuário aceite de livre e espontânea vontade fazer o tratamento.

A atual gestão municipal, em parceria com o governo do Estado, lançou o Complexo Prates, um ambulatório voltado exclusivamente à população em situação de rua e aos dependentes químicos.

Essa proposta não é muito diferente de outras que foram levadas adiante, mas segue de acordo com a ideia de que é necessária a decisão do usuário de drogas em querer se tratar.

“Novas possibilidades para solucionar o problema da Cracolândia estão sendo estudadas e serão divulgadas em breve”, diz uma nota do atual governo de São Paulo, expedida no mês de julho.

A Cracolândia segue sendo um problema não só social, mas também policial, de segurança e saúde pública, por tais motivos os resultados são difíceis de serem obtidos.

Só não se sabe até quando a Cracolândia seguirá sendo a maior chaga social de São Paulo.


Sites pesquisados sobre o tema Cracolândia: https://canalcienciascriminais.com.br/como-surgiu-a-cracolandia-entenda/

https://www.otempo.com.br/brasil/cracolandia-se-espalha-por-sao-paulo-e-desvaloriza-imoveis-em-ate-27-1.3188080

https://crismonteiro.com.br/cracolandias-pelo-mundo-como-outras-cidades-encararam-a-questao/#:~:text=Skid%20Row%2C%20Los%20Angeles%3A,locais%2C%20utilizam%20diariamente%20drogas%20pesadas.

https://noticias.r7.com/sao-paulo/seis-em-cada-dez-pessoas-que-frequentam-a-cracolandia-vivem-ha-pelo-menos-cinco-anos-no-local-23012023

 

sábado, 19 de agosto de 2023

Festa da Achiropita em São Paulo surgiu da disputa entre moradores do Bixiga para dar nome à igreja do bairro

O único bairro de São Paulo com apelido é a Bela Vista, conhecido pela alcunha “Bixiga”, que se escreve assim mesmo com “i”.

Há várias explicações para este agnome, as mais conhecidas dizem respeito ao dono de uma hospedaria da região chamado João Bexiga e outra de ser ali o lugar para onde iam as pessoas vítimas da varíola, doença popularmente chamada “bixiga”.

A Bela Vista propriamente dita, surgiu de um loteamento lançado em 1870. Mais adiante, pelo início do século 20, se instalaram no bairro italianos provenientes de Rossano Cálabro - Calábria e Cerignola, na Puglia.


Foram esses italianos que construíram a atual igreja de Nossa Senhora Achiropita, inaugurada em 1926, mas entre eles houve uma disputa porque não se chegava a um acordo para a escolha do nome da padroeira.

Para colocar fim à discussão que levava quase às vias de fato, o bispo diocesano decidiu dar à paróquia o nome de São José, mas os calabreses, conhecidos pelo sangue quente, seguiram insistindo para que se chamasse Nossa Senhora Achiropita.

Os puglieses de Cerignola não aceitavam porque eram devotos de Nossa Senhora da Ripalta e queriam dar este nome à paróquia.

As discussões prosseguiram até 1940 quando o prédio da igreja precisou passar por uma reforma e o empenho do pessoal proveniente de Rossano foi enorme e como prêmio obtiveram a mudança do nome da paróquia que passou a ser o da santa de Achiropita.

Para contentar os puglieses de Cerignola, a cúria mandou colocar na igreja uma imagem de Nossa Senhora da Ripalta, igual a essa da foto acima e que lá está até hoje.

Os imigrantes de Rossano Cálabro aceitaram, mas para não deixar barato, disseram que era de favor a eles.


O pároco mais famoso de Achiropita foi Dom Luigi Orione, que dá nome à praça do bairro onde acontece uma feira de antiguidades aos domingos. Dom Orione, inclusive, foi considerado santo pelo papa João Paulo II, em 2004.

Houve depois dele outro pároco famoso, Dom Carlos Aferano, que deixou a paróquia debaixo de muita polêmica.

Em 1944, quando o Brasil enviou soldados à Itália durante a Segunda Guerra Mundial, Dom Aferano fez um sermão no qual defendeu os países do eixo.

Aos fiéis em voz alta exclamou frases do tipo: “Salve a memória de Mussolini!” e “Viva Hitler”!

Autoridades do clero ficaram sabendo e afastaram o pároco que seguiu para um asilo no Rio de Janeiro e nunca mais se soube nada sobre ele.


Mas foram Dom Orione e depois Dom Aferano que garantiram o costume dos festejos de Nossa Senhora Achiropita, inclusive com a procissão pelas ruas do bairro.

Desses padres surgiu a prática de conclamar as donas de casa na preparação dos pratos servidos na festa, inicialmente só para a população do Bixiga.

Isso originou a tradição das “mamas” ou “matronas”, que são aquelas senhoras que trabalham gratuitamente para ajudar a paróquia durante a festa.

Na Itália atual, os festejos seguem acontecendo porque no mundo só há duas paróquias de Nossa Senhora Achiropita, em Rossano Cálabro e na nossa São Paulo.

Quem me contou essas histórias foi Armando Puglisi, o Armandinho do Bixiga em uma entrevista exclusiva concedida em 1994, meses antes dele morrer.

A origem do culto à Nossa Senhora Achiropita, teve início no ano 580 da era cristã, quando um capitão do mar chamado Maurício, chegou por engano a Rossano Cálabro, então apenas uma aldeia.

Um monge local profetizou que ele havia sido mandado para lá por Nossa Senhora, que se transformaria no imperador daquele vilarejo e lá construiria um templo.

Dois anos depois Maurício, já imperador, seguiu as palavras do monge e mandou erguer um santuário dedicado à Nossa Senhora, mas um fenômeno aconteceu.

A imagem que era pintada em uma das paredes do templo durante o dia desaparecia à noite.

Puseram um vigia para tomar conta e numa daquelas noites, uma senhora com uma criança nos braços pediu para visitar o templo.

O vigia não se opôs por considerá-la inofensiva, depois preocupado porque a mulher demorava a sair foi ver o que acontecia e não mais a encontrou.

Em vez dela viu a imagem de Nossa Senhora pintada na parede, surpreso saiu do lado de fora da igreja e começou a gritar:

“Achiropita!”, Achiropita!”, que significa, “não pintada” pela mão do homem.

O culto à Nossa Senhora Achiropita ganhou devotos em toda a Itália e através dos calabreses de Rossano Cálabro, a santa passou a ser venerada em São Paulo, só que a daqui possui uma imagem esculpida e não desenhada.

A festa de Nossa Senhora Achiropita, em 2023, acontece em sua 97ª edição. Começou no dia 5 de agosto e prossegue até o dia 3 de setembro.

Acesse: Festa da Achiropita 2023 será realizada de 5 de agosto a 3 de setembro - Portal Radar

Paróquia Nossa Senhora Achiropita

terça-feira, 15 de agosto de 2023

D. João IV: O Rei de Portugal condenado à morte depois de morto

Portugal foi fundado há 880 anos em 1143, sua história é longa e repleta de fatos tão interessantes que daria para fazer uma série dessas que se leva ao ar pela Netflix.

Me chamou atenção, ao pesquisar para a postagem anterior, quando escrevi sobre a aclamação em São Paulo de Amador Bueno da Ribeira, que o rei Dom João IV elevado ao trono de Portugal também por aclamação, após morrer, foi condenado ao fogo do inferno pela Igreja. 


Portugal esteve sob domínio da Espanha durante 60 anos, entre 1580 e 1640. O rei Dom João só assumiu o poder porque um grupo formado por portugueses, tomou posse da capital Lisboa e implantou um governo paralelo, sob alegação que havia surgido um herdeiro nascido na dinastia da Casa de Bragança.

Claro que a Espanha não concordou em devolver o trono e, em meio às discussões acaloradas, França e Inglaterra intermediaram negociações para a devolução da autonomia a Portugal, mas a Santa Sé manteve-se irredutível e permaneceu ao lado dos espanhóis.

Essa decisão dificultou a transição, houve revoltas e por pouco Dom João não foi assassinado por conspiradores.

O rei Dom João IV cujo cognome passou a ser “O Restaurador”, governou Portugal durante 16 anos até sua morte aos 52, no dia 6 de novembro de 1656.

Dores de ilharga, mais especificamente uma doença renal, causaram sua morte e o sucessor Dom Afonso, era ainda menor de idade, mas sua mãe Dona Luísa, rainha e esposa do rei assumiu na condição de regente.

Fato inusitado foi o que aconteceu na hora do enterro de Dom João IV. No momento de se fechar caixão, a cerimônia de despedida foi interrompida por  delegados da Inquisição que impediram a saída do féretro.


Retiraram o morto do caixão e despiram de seu corpo, o manto da Ordem de Cristo.

Em seguida o inquisidor-mor fez a leitura de um documento que excomungava o rei e o declarava inimigo da Igreja.

Se estivesse vivo, Dom João IV teria sido condenado à morte em uma fogueira, como não era mais possível queimá-lo, o condenaram ao fogo eterno e foi considerado indigno de levar consigo as vestes religiosas.

O acontecimento foi visto como vingança por parte de Igreja, porque Dom João desobedeceu o papa que desejava manter Portugal subjugado à Espanha.

Essa é só uma das histórias interessantes acontecidas na monarquia portuguesa que durou mais de 700 anos. Se quiserem outras, deixem seus comentários aqui mesmo no blog. Por enquanto é isso, até mais!

Acesse nossa postagem anterior na qual Dom João IV é citado:


Blog do Geraldo Nunes: Amador Bueno da Ribeira: o “Rei de São Paulo” precisou se esconder no Mosteiro de São Bento


Fontes: Portais NCultura /Reis de Portugal/Monarquia Portuguesa/Quarta Dinastia/ Embaixada de Portugal no Brasil


sábado, 5 de agosto de 2023

Amador Bueno da Ribeira: o “Rei de São Paulo” precisou se esconder no Mosteiro de São Bento

Após a fundação do Colégio de Piratininga pelos jesuítas em 1554, o cacique Tibiriçá fixou sua moradia na área em que está o atual Mosteiro de São Bento.

Oito anos depois, em 1562, o cacique morreu e no lugar onde ele vivia foi feita uma capela e só bem depois seria feira a primeira edificação do que viria a ser o atual Mosteiro de São Bento. 

Para ser erguido, a participação de Fernão Dias Paes, o bandeirante caçador de esmeraldas, foi fundamental. 

Antes de entrar nesses detalhes vamos explicar a diferença entre mosteiro e igreja. Neste se reúnem os monges que se dedicam exclusivamente à oração e contemplação.

Quanto às igrejas, são elas voltadas à sociedade cuja administração fica por conta dos padres ou mesmo frades para a celebração de missas, casamentos, batizados e à organização de eventos com a participação dos fiéis para obras de caridade.

A ajuda prestada por Fernão Dias foi a de garantir o terreno e parte recursos pagos para a construção.

Na época era ele o capitão-mor da província, cargo equivalente ao de governador nos dias atuais.

Naquele tempo as dimensões de São Paulo não se limitavam ao burgo de Piratininga, abrangiam as terras equivalentes ao atual território paulista e mais ainda, parte do Mato Grosso e todo sul do país até a região do Prata.

Ao final de 1634 as obras do mosteiro foram concluídas e Fernão Dias seguiu para Minas Gerais em busca das tão sonhadas esmeraldas.

Morreu no ano de 1681 e seus ossos foram trasladados para São Paulo e sepultados no altar do mosteiro que ajudou construir.

Antes desse desfecho houve um episódio singular também envolvendo o Mosteiro de São Bento que foi a aclamação pelo povo de Amador Bueno da Ribeira para fazer dele “Rei de São Paulo”.

Conta a história que em 1580, Portugal perdeu seu rei Dom Sebastião em uma batalha no Marrocos e como era ainda muito jovem, não deixou sucessores. 

Isto levou Portugal a submeter-se durante 60 anos ao domínio espanhol, por serem os reis de Espanha, os parentes mais próximos de Dom Sebastião.

Somente em 1640 com a ascensão ao trono de Dom João IV, houve a restauração da monarquia em Portugal, mas no Brasil os paulistas buscaram implantar um regime autônomo e assim se ver livre da coroa portuguesa.

Para isso era necessário escolher um rei e por aclamação, Amador Bueno da Ribeira, então capitão-mor da província, foi o nome escolhido.

Amador Bueno não aceitou o cargo e como a insistência da população continuava, precisou desembainhar a espada e bradar ao povo sua fidelidade ao novo rei de Portugal.

Ainda assim tentaram convencê-lo, mas irredutível refugiou-se no Mosteiro de São Bento e lá permaneceu algumas semanas entre os monges até que os ânimos da população se acalmassem.

Três anos após este acontecimento histórico, Dom João IV, em 22 de setembro de 1643, enviou uma carta de agradecimento ao ato de fidelidade expressado por Amador Bueno da Ribeira que não aceitou ser “Rei de São Paulo”.


Até 1897 a construção do Mosteiro de São Bento se manteve semelhante à da pintura acima.

Quando São Paulo começou a se transformar em metrópole, o apelo desenvolvimentista promoveu a demolição do antigo mosteiro e a construção de um novo templo em 1910, cuja conclusão se deu em 1922.


Os restos mortais do bandeirante Fernão Dias Paes e de seus familiares foram mantidos e permanecem na capela-mor do atual mosteiro.

Em maio de 2007, o Mosteiro de São Bento hospedou o papa Bento XVI em sua primeira visita ao Brasil.

 

Fontes: Taunay, Afonso d'Escragnolle. O Epos bandeirante e São Paulo Vila e Cidade. São Paulo: Editoria Anhembi, 1958.

Holanda, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. Rio de Janeiro: José Olympio, 1986

Monteiro, John Manuel. Negros da Terra. São Paulo: Cia. das Letras, 1995.