segunda-feira, 27 de abril de 2020

Foi mesmo Pedro Álvares Cabral quem descobriu o Brasil? Há controvérsias


Nos meus tempos de aluno na escola pública havia comemorações em sala de aula alusivas ao descobrimento do Brasil.

Hoje quase não se fala mais nisso e a data 22 de abril passa em branco, ofuscada pelo feriado de Tiradentes, um dia antes.

Assistindo ao programa do Ratinho no SBT, o apresentador perguntou a uma das meninas do auditório: Quem descobriu o Brasil?

A pobrezinha não soube responder e uma quantidade de água armazenada em uma bexiga caiu sobre ela.

Antes de criticá-la dizendo que a qualidade do ensino no Brasil é ruim, observe: 

Como pode ter sido o Brasil descoberto em 1500 se o Tratado de Tordesilhas já previa a existência de um novo continente, em 1498?

O Tratado de Tordesilhas oferecia a parte maior das terras para a Espanha.

Deste modo, Portugal precisava garantir o seu quinhão, mesmo sabendo que sua parte do bolo era menor e assim o fez.

Na Escolinha do Professor Raimundo, um dos personagens diria então que sobre tudo isso,"há controvérsias". E há mesmo.

Na pintura de Oscar Pereira do Silva, o imaginário de como foi o desembarque dos portugueses no Brasil em 1500
Com o advento da internet, pesquisas históricas antes guardadas em livros se tornaram mais acessíveis.

Quem procurar no Google pelo nome Vicente Yañez Pinzon saberá que ele é tido por historiadores como o real descobridor do Brasil.

Novos estudos revelam que o navegador português Bartolomeu Dias, ancorou suas velas em Cananéia, em 1497.

Esses relatos possivelmente tenham ajudado no estabelecimento do Tratado de Tordesilhas, à época.

Pinzon fez seu anúncio ao rei da Espanha, Fernando II de Aragão, de ter pisado em novas terras, provavelmente Pernambuco, em 26 de janeiro de 1500, depois de Bartolomeu Dias.

Pelo feito, entretanto, Pinzon foi condecorado em Espanha, a 5 de setembro de 1501.

Cabral chegaria três meses depois em Porto Seguro, mas sua passagem garantiu referendo ao Tratado de Tordesilhas, dando a Portugal a parte do continente que lhe cabia.

Por isso oficialmente quem descobriu o Brasil foi Pedro Álvares, cujo sobrenome também provoca discussões.

Gravura digital apresenta o texto do Tratado de Tordesilhas e a linha divisória oferecendo parte menor a Portugal

Em 20 de maio de 1498, o navegador português Vasco de Gama conseguiu chegar às Índias, mas retornou sem trazer os resultados comerciais que se esperava.

O rei Dom Manuel I, o Venturoso, decidiu organizar nova expedição.

A cruzada reuniu cerca de 1500 marujos distribuídos em 10 naus, 3 caravelas, mais uma naveta de mantimentos.

Foi a maior esquadra formada até então, sendo escolhido para comandá-las, o chefe militar Pedro Álvares Gouveia.

Filho de Fernão Cabral, recebeu o sobrenome da mãe Isabel Gouveia,  por não ser o primogênito da família, conforme costume da época.

Cabral, digamos, foi um apelido carinhoso que deram ao Pedro Álvares Gouveia, filho de um ilustre fidalgo de Belmonte, admirado pelo rei.

Alguns historiadores dizem também que o comandante da frota portuguesa que oficialmente descobriu o Brasil não possuía experiência marítima.

Havia na expedição, entretanto, conhecidos navegadores como Nicolau Coelho, Sancho de Tovar e o próprio Bartolomeu Dias, para dar conta do recado.

A indicação de Cabral foi uma decisão política, não há dúvida.

Era preciso um militar de pulso firme para levar adiante as negociações com o Samorim.


Pedro Álvares Cabral tinha 32 anos quando aportou no Brasil, era bem-visto pelo rei, mas detestado pelos marujos
Líder comercial e político em Calecute, nas Índias, o Samorim não aceitou as propostas apresentadas por Vasco da Gama quando este quis retornar a Lisboa levando as mercadorias. 

O navegador voltaria de mãos abanando, mas antes de retornar detonou canhões sobre a cidade indiana para demonstrar seu poderio bélico.

Essa nova expedição teria que trazer, de qualquer jeito, as tão necessárias especiarias para a conserva de alimentos.

Para isso as naus foram equipadas com o que havia de mais moderno em armamentos.

Banqueiros de Gênova e Florença descontentes com a supremacia dos concorrentes de Veneza patrocinaram a viagem.

Os venezianos tratavam diretamente com os turcos, detentores da rota terrestre, a compra das especiarias e estavam ficando cada vez mais ricos e poderosos, era preciso detê-los.

Vale lembrar que a Itália só seria unificada no século 19 e suas cidades ou regiões concorriam nos negócios umas com as outras.

A Índia também não estava unificada, daí o termo "Índias".

Portugal, um país pequeno, não tinha dinheiro para custear uma expedição de tamanha envergadura, mas tinha em seu favor a experiência marítima.

Tal condição propiciou o que podemos chamar na linguagem atual de, parceria público-privada com os banqueiros.

Gravura mostra a nau-capitânia comandada por Pedro Álvares Cabral com a Cruz de Cristo ostentada nas velas
Zarparam de Lisboa, em 9 de março de 1500, tendo Cabral levado consigo um roteiro elaborado por Vasco da Gama.

Nele havia a recomendação para que após cruzar as Ilhas de Cabo Verde, se derivasse a oeste para atingir as novas terras.

A decisão faria valer para Portugal a posse de parte desse novo continente, graças ao Tratado de Tordesilhas estabelecido dois anos antes.

Após Cabo Verde, porém, aconteceu uma tragédia: a nau de Vasco de Ataíde naufragou matando seu comandante e os outros 150 ocupantes.

Em 21 de abril os marujos começaram avistar vegetais flutuando sobre as águas. Alguém gritaria mais adiante: "Terra à vista"!

Na quarta-feira, 22 de abril de 1500, tornou-se visível a elevação que Cabral deu o nome Monte Pascoal, por ser domingo de Páscoa.

Ao desembarcarem deram ao lugar o nome de Porto Seguro e nativos completamente nus, portando arco e flecha, os aguardavam.

Gaspar da Gama, um poliglota a bordo, ao lado de Nicolau Coelho, sob as ordens do "capitão", que se supõe seja Cabral, fizeram o primeiro contato.

Sinalizaram para que os nativos baixassem suas armas, “e eles os pousaram”, descreveria Pero Vaz de Caminha em sua carta.

Pintura retrata os portugueses erguendo a cruz para celebração da primeira missa pelo frei Henrique de Coimbra

A maravilhosa carta de Pero Vaz de Caminho relata em descrição emocionada, o descobrimento do Brasil.

Redigida em um português castiço precisou ser reescrita por Rubem Braga, em 1968, de forma a torná-la compreensível nos dias de hoje. 

Os originais da carta de Pero Vaz de Caminha, ficaram esquecidos na Torre do Tombo até o século 19
"... eram pardos, todos nus, sem coisa alguma que lhes cobrisse suas vergonhas... ao domingo de Pascoela pela manhã, determinou o capitão irem todos ouvir missa e pregação naquele ilhéu e assim foi feito, à qual foi dita pelo padre frei Henrique, em voz entoada...

...e, depois de acabada a missa, assentados nós à pregação, levantaram-se muitos deles da terra, tangeram corno ou buzina, e começaram a saltar e dançar um pedaço...

...parece-me gente de tal inocência que, se homem os entendesse e eles a nós, seriam logo cristãos, porque eles, segundo parece, não têm, nem entendem em nenhuma crença...

...não duvido que eles, segundo a santa intenção de Vossa Alteza, se hão de fazer cristãos e crer em nossa santa fé, à qual praza a Nosso Senhor que os traga, porque, certo, esta gente é boa e de boa simplicidade...

... e pois, Nosso Senhor, que lhes deu bons corpos e bons rostos, como a bons homens, por aqui nos trouxe, creio que não foi sem causa...

“...portanto, Vossa Alteza, que tanto deseja acrescentar a santa fé católica, deve cuidar da sua salvação e prazerá a Deus que com pouco trabalho seja assim...”

Estava selado do Descobrimento do Brasil!

Mais adiante, se assim me pedirem, escreverei neste blog a conclusão da viagem de Pedro Álvares Cabral às Índias e seu retorno à Pátria-Mãe.

O mapa em desenho atual torna compreensível o roteiro seguido para se chegar ao Brasil e depois às Índias.


Fontes: Carta ao Rei Dom Manuel – Versão Moderna Rubem Braga: 1968 – Edições Best Bolso – Rio de Janeiro


A Viagem do Descobrimento: 1998 – Editora Objetiva – Rio de Janeiro

terça-feira, 21 de abril de 2020

Tiradentes: Este sim é o MITO e mais ninguém!


Chega de falsos mitos!

Se torna um mito, aquela pessoa enigmática de feitos tão notáveis que chega a deixar dúvidas se de fato existiu, e se tudo aquilo que falam dela é realmente verdadeiro.

Tiradentes, portanto, é um mito? 

Ainda pairam sobre ele indagações e os profissionais da história seguem pesquisando sua vida para novas conclusões.

Esta é a capa do mais novo livro sobre Tiradentes onde ele aparece em um quadro guardado pela autora em sua residência
A aspiração dos inconfidentes era somente tornar Minas Gerais livre do crivo português?

Possivelmente sim, porque no século 18 ainda não se tinha a dimensão exata do tamanho do território brasileiro.

Os primeiros historiadores a pesquisar Tiradentes fizeram dele não apenas o mito, mas quase um santo à imagem e semelhança de Jesus Cristo.

A figura do herói passou então a ser homenageada de Mártir da Independência.

Seu prestígio fez dele patrono de inúmeras profissões como a dos policiais civis, dos policiais militares e obviamente, dos dentistas.

O apelido de Joaquim José da Silva Xavier veio do fato dele exercer a função de alferes, uma espécie de prático em odontologia.

Sua morte pela forca, em 21 de abril de 1792, é a única data de falecimento lembrada no Brasil com um feriado nacional.

Outros acontecimentos fizeram enaltecer ainda mais o histórico acontecimento.

Brasília, capital da República, foi inaugurada em um feriado de 21 de abril, no ano de 1960 e o passamento de Tancredo Neves se deu nessa mesma data, em 1985.

Tiradentes ante o carrasco, de Rafael Falco em 1941, original se encontra na sede do Congresso Nacional, em Brasília
Tiradentes nasceu nas proximidades de São João Del Rey, em 1746.

O livro Tiradentes, Nem Patriota, Nem Frade, publicado pela Hucitec, se encontra em catálogo nas livrarias.

A obra é resultado da dissertação de mestrado da historiadora Mariana de Carvalho Dolci, entregue à Pontifícia Universidade de São Paulo (PUC-SP).

Na conclusão ela afirma: “ Joaquim José da Silva Xavier necessita de justiça ainda que tardia”.

O trabalho buscou também corrigir a associação errônea que se faz da Inconfidência Mineira, do século 18, com a Independência do Brasil proclamada em 1822.

“Até a Proclamação da República ninguém havia falado ao povo sobre a Inconfidência Mineira”, explica Mariana Dolci.

Nas primeiras páginas ela esclarece que a partir de 1889, com a instauração do regime republicano, se buscou na História do Brasil acontecimentos que não enaltecessem a monarquia.

O Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro procurou então nos arquivos de Portugal e do Brasil os documentos relativos à “Devassa”, nome dado ao inquérito que julgou os inconfidentes.

Neles, o nome de Joaquim José da Silva Xavier, aparece como único a não ter a pena de morte comutada pela rainha de Portugal.

Todos os demais obtiveram a clemência de dona Maria I, oferecendo a eles o degredo nas colônias portuguesas da África.

Após ser enforcado, o alferes Silva Xavier teve o corpo esquartejado em quatro partes e seus pedaços expostos nas vias públicas.

O terreno da casa onde morou, em Vila Rica, foi salgado para que dali nada nascesse. 

Os bens de sua família foram expropriados por várias gerações.

Tão trágica barbárie acabou por oferecer ao condenado o tom comovente dos martirizados injustamente.

Tiradentes esquartejado, pintura de Pedro Américo em 1893

O ano de 1780 é marcante na história de Minas Gerais, por se avolumar as denúncias que muitas das pedras preciosas destinadas a Portugal estavam “desaparecendo” pelo caminho.

O contrabando foi crescendo cada vez mais, a ponto de se zombar abertamente das autoridades pela total inoperância e impunidade.

Joaquim José da Silva Xavier era nessa época tenente-alferes da cavalaria que fazia a escolta do ouro a ser embarcado no Rio de Janeiro em navios para Lisboa, os Dragões de Minas.

Sabedor das falcatruas que aconteciam antes das pedras chegarem ao destacamento, o militar apelidado Tiradentes comentava nos lugares que frequentava a parcialidade dos governantes em relação ao escambo.

Tais declarações feitas em bordéis e nas taberna chegaram ao conhecimento público através de relatos.

Suas palavras não incomodavam as autoridades constituídas porque vinham de um oficial de baixa patente.

Como não havia meios para punir os contrabandistas, a Real Fazenda - nome do fisco português - decidiu sobretaxar os impostos destinados à população.

O tributo denominado derrama consistia na entrega de 100 arrobas de ouro e diamantes pessoalmente aos fiscais, ou seja, 1.500 quilos de pedras preciosas deveriam ser entregues e se a quantidade não fosse alcançada, se calcularia igual valor a ser pago em dinheiro.

O governo português estipulou como data para a entrega da derrama, o mês de fevereiro, em 1789.

O anúncio aconteceu no decorrer de 1788, ocasionando revolta e uma série de reuniões entre os mais destacados moradores de Vila Rica.

Se posta em prática a medida significaria a total ruína dos mineiros.

Os mais atingidos seriam os proprietários das terras onde aconteciam as extrações das pedras preciosas.

Alvarenga Peixoto era um deles, assim como seu advogado e amigo particular Cláudio Manuel da Costa, também dono de propriedades.

Além desses dois, Tomás Antônio Gonzaga, elogiado poeta, desembargador e ouvidor de Vila Rica se integrou ao grupo.

As reuniões tinham por objetivo encontrar saídas para impedir a Real Fazenda de concretizar a cobrança do imposto considerado escorchante.

Decidiu-se pela proclamação da República em Minas Gerais e a essas assembleias disfarçadas em saraus literários, a "Devassa" deu o nome de Inconfidência Mineira.

Das reuniões participavam também figuras representativas da comunidade local, como o padre José da Silva de Oliveira Rolim.

Filho do principal tesoureiro de diamantes da região e notório fraudador do fisco, o padre burlava contas com a ajuda do contratante de dízimos Domingos de Abreu Vieira.

Este era protetor da filha de Tiradentes, nascida de uma relação do alfares com uma mulher com a qual não quis se casar.

Joaquim Silvério dos Reis, também participava das reuniões, tendo sido ele o grande delator dos planos, mas não o único.

Silvério dos Reis fez chegar a Luiz Antônio Furtado de Mendonça, o Visconde de Barbacena - governador da província - as informações da trama em troca do perdão de suas dívidas junto à Coroa.

Ainda assim perdeu bens por causa do levante, mas obteve de volta uma fazenda que herdara do pai.

O alferes Silva Xavier participava das assembleias, mas em nenhum momento - apontam as atas - apareceu entre os líderes.

O desenho da bandeira de Minas Gerais com triângulo vermelho em homenagem à Santíssima Trindade, entretanto, é dele.

A inscrição dos versos em latim “Libertas Quae Sera Tamen” – Liberdade Ainda que Tardia, do poeta romano Virgílio, foi ideia de Alvarenga Peixoto.

A bandeira sugerida por Tiradentes não foi a única sugerida por ele, mas o desenho escolhido foi este

Outro trecho do livro da historiadora Mariana Dolci destaca que o alferes ficou encarregado de passar as ideias da conspiração ao povo de maneira reservada.

Por ser menos conhecido que os outros e por oferecer serviços dentários teria assim o pretexto de visitar as residências e expor os ideais de independência.

Ficou acertado que no dia marcado para a derrama, quando os representantes do fisco passassem de porta em porta arrecadar os valores, Tiradentes sairia às ruas conclamando o povo para um protesto.

Assim que os Dragões de Minas fossem chamados para abafar a agitação, o comandante da tropa, Freire de Andrade, se atrasaria.

Isso daria tempo para que o alferes se dirigisse à residência do governador e o prendesse.

A hipótese de morte ao governador com sua cabeça levada ao comandante dos Dragões de Minas também foi levantada, mas não ficou bem certo o que de fato seria feito.

Em seguida seria proclamada a República e lida uma declaração de Independência de Minas Gerais em relação a Portugal.

Logo após, se buscaria a adesão do Rio de Janeiro e de São Paulo para a formação de um Estado único e independente.

Empolgado, o alferes deu início à missão de informar o povo sobre as intenções do movimento.

Ocorre que passou a falar não apenas dentro das casas, mas também nas tabernas e nos bordéis que frequentava assiduamente.

Chegou a ser advertido para ser menos veemente em suas palavras, mas entorpecido pelo entusiasmo manteve-se falante, fazendo com que alguns até se afastassem dele.

Não se sabe ao certo como era o rosto de Tiradentes, a figura que mais se aproxima é essa: J. Washt Roddrigues/1940
Estrategicamente, a data da derrama foi adiada pelo governo e alguns inconfidentes começaram a aplacar seus ardores.

Tiradentes seguiu irredutível viajando ao Rio de Janeiro para levar adiante as propostas, mas ao chegar acabou preso.

Sucessivamente outros 11 envolvidos foram encarcerados e conduzidos de Vila Rica para o Rio de Janeiro.

Todos negaram participação e assim também fez de início o alferes Joaquim José da Silva Xavier.

O processo durou três anos e após inúmeros interrogatórios, torturas e acareações, Tiradentes abarcou para si toda a culpa, dizendo ter comandado o movimento.

Não se sabe ao certo porque fez isso, mas tal atitude fez dele  o grande herói venerado pelos historiadores que primeiro levantaram os autos.

Seu enforcamento aconteceu no Largo da Lampadosa, no Rio de Janeiro, hoje Praça Tiradentes.

Na pintura de Oscar Pereira da Silva/1940, Tiradentes é visto com a corda que iria enforcá-lo
O que fiz foi um breve resumo do livro de Mariana de Carvalho Dolci que possui mais de 200 páginas, é rico em ilustrações e traz farta documentação.

Quem fizer a leitura de maneira minuciosa não irá se arrepender.

A definição de Mariana de Carvalho Dolci é que, “ainda há muito mais para se estudar sobre Tiradentes”.

Quanto ao nosso ponto de vista. Tiradentes é mesmo o MITO!

E mais ninguém.



quarta-feira, 15 de abril de 2020

As coincidências entre Mandetta e Oswaldo Cruz em um país que desconhece sua história


O Brasil sempre foi um país cheio de crendices, curandeiros e benzedeiras.

Milagres aqui ainda proliferam, basta assistir a esses programas pagos exibidos na TV aberta para ver pastores evangélicos curar pessoas e expulsar demônios. Interessante é que só a empregada doméstica residente na periferia, sofre o assédio de satanás. Nunca nenhum político foi curado por esses pastores ou foi vítima do diabo com rabo e chifres.

Um desses "evangélicos" chegou a oferecer pelo preço de 1 mil reais, feijões mágicos capazes de curar pessoas vítimas da Covid-19. 

Óbvio que o Ministério Público Federal determinou que a "propaganda" fosse retirada do ar.

Como no Brasil, o
s pajés e suas pajelanças foram as primeiras referências em relação ao tratamento médico, muitas pessoas seguem acreditando em fórmulas mirabolantes.

O médico sanitarista Oswaldo Cruz foi vítima da Revolta da Vacina, em 1904 

Enquanto colônia de Portugal não havia nenhuma forma de assistência social à população. B
oticários provenientes da Europa é que traziam poções aqui vendidas a peso de ouro, mesmo sem a eficácia comprovada.


Com a chegada da família real portuguesa, em 1808, as necessidades da corte forçaram a criação das duas primeiras escolas de medicina.

O Colégio Médico-Cirúrgico, no Real Hospital Militar de Salvador e a Escola de Cirurgia do Rio de Janeiro são dessa época.

Pasmen, foram essas as únicas medidas governamentais voltadas à saúde pública até a Proclamação da República.

Em 1904, o Rio de Janeiro era uma cidade infestada pelas doenças, entre elas a febre amarela, a peste bubônica e a varíola.

A razão para tantos males estava na falta de saneamento básico e o excesso de ratos transmissores de várias doenças.

O povo desconhecia os modos de prevenção e se já não bastasse tamanha ignorância, a população ainda foi vítima de uma medida que na verdade era bem intencionada.

O presidente da República, Rodrigues Alves, contratou o médico Oswaldo Cruz para resolver o problema das doenças.

Sua primeira decisão foi a de acabar com os ratos e para isso o governo passou a oferecer dinheiro como recompensa para quem matasse maior número de ratos.

A medida surtiu efeito contrário, algumas pessoas passaram a criar ratos para depois matá-los e ganhar mais dinheiro nas recompensas.

O sanitarista decidiu então convocar cerca de 1.500 funcionários públicos para ações de higiene.


Sem nenhum aviso antecipado, esse funcionários invadiam casas, queimando colchões infectados e roupas velhas.

Charge revela que Oswaldo Cruz passou a ser execrado pela população que não aceitava ser vacinada

Verdade também é que a população mais carente, passou a perder móveis e utensílios supostamente infectados que depois não eram repostos pelas autoridades.

A situação piorou quando surgiu a ordem de uma vacinação pública contra a varíola.

Muitos desconheciam o que era uma injeção, cuja picada de agulha era muito mais dolorida que agora.

Uma mesma agulha de injeção servia a centenas de pacientes.



Em novembro de 1904, o povo saiu às ruas do Rio de Janeiro para protestar dando início ao episódio chamado de Revolta da Vacina.

Ruy Barbosa, então senador da República, ocupou a tribuna defendendo os revoltosos se posicionando contra a vacina.

“Não tem nome na categoria dos crimes do poder, a tirania de se envenenar, com a introdução no sangue, de um vírus sobre o qual existem os mais bem fundados receios de que seja o condutor da moléstia e da morte”, disse o tribuno depois transformado em "Águia de Haia".

Após o discurso inflamado, o médico Oswaldo Cruz foi afastado pelo presidente Rodrigues Alves de suas funções, apesar da comprovada competência. Tanto que, ainda assim, conseguiu convencer parte dos congressistas de que as doenças só diminuiriam se houvessem ações que levassem ao aprendizado de noções de higiene por parte de todos.

Durante a Revolta da Vacina bondes chegaram a ser tombados no Rio de Janeiro

No Brasil do século 21 pessoas do mesmo modo, ignorantes dos riscos decorrentes do coronavírus, seguem caminhando sem máscaras cirúrgicas e e reclamando do necessário e preventivo isolamento social.

Assim como em 1904, manifestantes se mostram contrários a medidas preventivas que ajudam preservar vidas. O Globo
O início do diálogo, após a Revolta da Vacina, em 1904, possibilitou a estruturação das primeiras campanhas de vacinação e a educação sanitária.

Teriam também início as primeiras obras de saneamento básico que o Rio de Janeiro tanto precisava.

O Brasil do século 21 segue carente na distribuição de água potável, tratamento de esgotos, coleta mais eficiente de lixo e demais resíduos sólidos.

Como Oswaldo Cruz, em 1904, o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta também se tornou vítima de críticas por defender medidas sanitárias.

Luiz Henrique Mandetta até já se despediu de funcionários e assessores no Ministério da Saúde

 Um povo que não conhece seu passado tende a repetir os mesmos erros.

Até quando iremos recorrer ao pajé?





sábado, 11 de abril de 2020

Na Praça da Sé o isolamento social foi implantado muito antes do coronavírus


Andar de helicóptero é uma coisa adorável, mas também perigosa.

Nestes momentos de reflexão e de retiro forçado pelo coronavírus, além das meditações da semana santa, cativar lembranças dos sobrevoos por São Paulo, se faz importante.

Certa vez me perguntam como era possível trabalhar de maneira tão arriscada e ainda assim demonstrar tranquilidade nas narrações.

Respondi: “É como estar na Praça da Sé, um lugar perigoso onde ao mesmo tempo pessoas fazem orações pelo bem comum. O prazer e o medo caminham juntos.”

De fato, o ofício de repórter aéreo é arriscado, mas por outro lado é bom de se fazer.

O sentido de liberdade é imenso e, do alto, se pode observar quase tudo.

Imagino que Deus observe a ação dos seres humanos dessa maneira, mas claro, em uma altura onde nenhuma aeronave consegue chegar.

A cidade vista do alto a partir da Praça da Sé em alguma dessas manhãs nebulosas de abril 

Não há explicações para o amor diante a uma cidade de tantas contradições e desafetos. Alguém consegue explicar o amor?

Na verdade é preciso, antes de tudo, entender a cidade e o jeito como ela funciona.

O saudoso cronista Lourenço Diaféria, em uma palestra, disse que “só depois de se passar pela Praça da Sé, se compreende o que é São Paulo". Isto vale tanto pelo lado positivo quanto no negativo.

Guardei essas palavras difíceis de serem compreendidas por aqueles que não enxergam a cidade com os olhos do coração e, como repórter aéreo que fui, de voo em voo, anos a fio, passei a entender claramente as explicações do cronista.

Na Sé, depois que a missa termina, a catedral fecha suas portas para evitar situações degradantes dentro da casa de Deus, o que é uma pena, mas inevitável.  

As contradições da cidade se escancaram na Praça da Sé

Por tais motivos, a Praça da Sé perdeu sua importância, ela que já o palco de tantas manifestações políticas e religiosas.

O corre-corre apressado de outros tempos foi substituído pelos que buscam ali somente passar o tempo, simplesmente por não terem para onde ir.

Em frente ao prédio do Tribunal de Justiça um espelho d’água serve de piscina e banho aos desprovidos e maltrapilhos.

Entender para conseguir amar São Paulo: Aula de difícil compreensão

Na Sé, as cenas que chocam o coração aparecem a todo momento, basta permanecer ali por alguns  instantes.

O Marco Zero das distâncias segue lá posicionado. Sua marca registrada é o monumento de pequena altura e serve de mesa ou de assento para os despreocupados 

O Marco Zero da Praça da Sé é um monumento de pequena altura que por várias vezes foi depredado


Mas, "a praça é do povo como o céu é do condor”, escreveu o poeta Castro Alves e continua sendo, ainda que seja dos que se encontram no desemprego e desalento.

Inauguração do Marco Zero aconteceu em 1934 com pompa e circunstância

São Paulo, fundada em 1554 com a intenção educativa de alfabetizar e catequizar, se tornou durante o século 20 o resumo do Brasil.

Agora, em pleno século 21, nos parece não haver muito o que fazer a não ser orações para Deus fazer surgir no coração de seus governantes a real intenção de revigorar aquele lugar dando amparo ao povo marginalizado cada vez mais oprimido por uma sociedade que avalia os problemas da Pátria a partir do próprio umbigo.

Diante do Marco Zero das distâncias relembro a Sé movimentada dos tempos de criança e concluo: São Paulo a cidade adorável, também é perigosa onde o bem e o mal caminhos ligados por um fio de seda capaz de arrebentar diante do menor impulso.

O Marco Zero da Praça da Sé visto de cima, por um drone



Praça da Sé abraçou a Clóvis Beviláqua após as obras do metrô. Todas as fotos fornecidas pelo Google