segunda-feira, 28 de setembro de 2020

Para saber por que o Brasil não muda, basta acompanhar as eleições do século 19

“A nossa principal necessidade política é a liberdade de eleição, sem esta e a de imprensa, não há sistema constitucional”.

A frase é de Dom Pedro II, acredite se quiser.

Ela aparece na página 81 da biografia do monarca escrita por José Murilo de Carvalho, integrante da Academia Brasileira de Letras.


Dom Pedro de Alcântara nasceu, em 2 de dezembro de 1825, perdeu a mãe com 1 ano de idade e o pai abdicou ao trono quando ele tinha 5 anos, retornando a Portugal.

Recebeu dos tutores refinada educação que fizeram dele um chefe de estado digno e honesto.

Sua emancipação à maioridade, aos 15 anos, surgiu de um acordo para amenizar as divisões políticas entre os conservadores absolutistas, ainda ligados às ideias de Dom Pedro I e os moderados defensores do liberalismo.

Os absolutistas formaram o Partido Conservador e os moderados, o Partido Liberal. Não havia participação popular, os dois partidos eram ligados à corte e monarquistas, mas se digladiavam entre si.

A Constituição de 1824 oferecia ao imperador as atribuições de nomear e demitir ministros.

Diferente do parlamentarismo inglês, que separa o chefe de estado da chefia do governo, no Brasil monárquico, o chefe de estado e do poder executivo era o imperador.

Funcionava como se fosse um Presidente da República, a diferença é que não tinha partido.

Tal condição lhe permitia promover um rodízio de ministros de forma a impedir que determinado partido formasse maioria ou se perpetuasse no poder.

Apesar de Dom Pedro defender o exercício do voto para a escolha do parlamento, as eleições sempre deram dor de cabeça a ele.


A Constituição de 1824 era bastante liberal no que dizia respeito às eleições, permitia o voto do analfabeto e dos escravos libertos.

Quem quisesse votar tinha que ter comprovação de renda, mas em valores considerados pequenos.

Isso permitia que metade da população, em condições de votar, comparecesse às urnas.

As eleições aconteciam em dois turnos, mas de um modo diferente de agora. O povo elegia os eleitores dos partidos e estes escolhiam os deputados e a lista de senadores.

Cabia aos senadores eleger entre eles quem seria o presidente do Conselho de Ministros.

Com o passar do tempo este processo acabou criando um círculo vicioso: O imperador escalava o ministério que promovia as eleições que elegeriam os parlamentares que apoiariam o ministério.

A lei exigia que os deputados nomeados ministros, se submetessem a uma nova eleição, mas dadas às práticas vigentes, praticamente todos reelegiam.

Dom Pedro percebeu que se falsificava o sistema representativo e propôs reformas.

Depois de muitas discussões entre os parlamentares, o congresso da época promoveu mudanças. Foi implantado o voto distrital puro tornando possível eleger um deputado de regiões afastadas dos grandes centros.

A decisão trouxe poder aos municípios que passaram a colocar representantes na Câmara para a discutir interesses regionais.

Só que a decisão acabou assustando as elites e outra reforma eleitoral precisou ser feita.

Em uma delas o voto do analfabeto foi eliminado engendrando no parlamento, uma soberania de letrados elitistas afastando de vez os interesses populares.

Nascia assim, a oração sem sujeito de uma democracia sem cidadãos que entrou para a história do Brasil e segue até os dias de hoje.



segunda-feira, 21 de setembro de 2020

Adhemar de Barros e os primórdios do marketing político-eleitoral no Brasil

Dando continuidade em nosso blog à série sobre eleições, falaremos da trajetória política de Adhemar Pereira de Barros, interventor, prefeito e governador paulista.

Foi candidato na maioria dos pleitos realizados entre as décadas de 1940 e 1960, perdendo e ganhando eleições.

Nasceu em Piracicaba no dia 22 de abril de 1901, formou-se em Medicina, tendo lutado por São Paulo na Revolução Constitucionalista de 1932.

Ingressou na política, assim que foi promulgada a constituição exigida pelos paulistas em1934, tendi sido eleito para um mandato de deputado estadual que deveria durar quatro anos, onde ficou apenas dois (1935 - 1937).

O motivo foi a implantação do Estado Novo pelo então presidente Getúlio Vargas que mandou fechar todas as casas legislativas.

Depois, convidado pelo próprio Getúlio foi designado interventor federal em São Paulo, cargo correspondente ao de governador, onde permaneceu de 1938 a 1941.

Com o fim da Ditadura Vargas, se elegeu governador novamente, desta vez pelo voto direto seguindo à frente do executivo paulista de 1947 a 1952.

Foi se tornou prefeito da capital ao ganhar a eleição de 1957 e reeleito governador em 1962.

Em seu dia-a-dia foi aprendendo a lidar com as estratégias eleitorais, implantando ideias hoje chamadas de marketing político.





Além dos panfletos, programas de rádio, matérias pagas em jornais e revistas havia marchinhas musicais da dupla sertaneja Alvarenga e Ranchinho apresentando canções favoráveis a ele.

Sua marca registrada nas campanhas passou a ser o trevo de quatro folhas e o slogan: "Adhemar pra ganhar".

Mas, de onde vinha o dinheiro para se pagar tudo isso? Essa era a grande pergunta e acusações de corrupção não faltavam.

Além de político, era um empresário bem sucedido, dono da Chocolates Lacta e da Rádio Bandeirantes, entre outras empresas.

A emissora depois, seria transferida ao genro também empresário João Jorge Saad.

Contam que certa vez em um comício Adhemar teria dito: "No meu bolso nunca entrou dinheiro público." Na plateia, alguém retrucou: "Calça nova, doutor!"

A verdade é que nunca se explicou direito de onde vinham as verbas para as suas campanhas.

Os opositores e parte da imprensa deram então um nome a esses procedimentos, “Caixinha do Adhemar”.

A. de Barros, como escrevia o Estadão para insultá-lo, contratou uma equipe de cinema para a montagem do cinejornal Bandeirantes da Tela, mais conhecido pela sigla BT.

Apresentado de 1947 a 1956, em edições quinzenais, as produções traziam as realizações do então governador pelo ponto de vista favorável a ele e seus apoiadores.

Esses filmes hoje pertencem ao acervo da Cinemateca Brasileira, por sinal fechada, sob risco de perda de seu imenso material ali arquivado.

                              

Em uma foto extraída do livro comemorativo de 80 anos do TRE-SP, lançado em 2012, vemos estampada a abertura do cinejornal Bandeirantes da Tela.

Médico, mas principalmente político, Adhemar Pereira de Barros costumava dizer em seus discursos não se esquecer das obrigações condizentes à missão de clinicar.

De fato, realizou muito em prol da saúde pública, tendo inaugurado o Hospital das Clínicas, administrado pela Faculdade de Medicina da USP.

Sua esposa, dona Leonor Mendes de Barros, pessoa muito caridosa, foi a primeira mulher de um político a promover benemerências.

No bairro do Belenzinho, na capital paulista, funciona até hoje um hospital público com o nome dela, na Avenida Celso Garcia, 2477.




Adhemar levava a família em seus comícios e após discursar, era abraçado por esposa e filhos.

O populismo tão comentado nos dias de hoje, fazia parte de suas estratégias de marketing político. Ao mesmo tempo em que abraçava as angústias dos mais pobres, defendia com unhas e dentes o conservadorismo da classe dominante.

Criou um partido próprio, o PSP - Partido Social Progressista, abraçando em seus quadros todos os que se diziam adhemaristas.




Quando Getúlio Vargas se lançou candidato à Presidência da República pelo voto direto, nas eleições de 1950, Adhemar preferiu não concorrer.

Os dois selaram um acordo: Getúlio apoiaria Adhemar na sua sucessão, mas em 24 de agosto de 1954, Vargas praticou o suicídio e o apoio deste foi por água abaixo,


Ainda assim, Adhemar de Barros se candidatou na eleição eleição presidencial de 1956, mas perdeu para Juscelino Kubitschek.

Na eleição seguinte, 1960, foi derrotado por Jânio Quadros e pelo marechal Teixeira Lott, ficando na terceira colocação.

Voltou como governador eleito em 1962 e acabou cassado antes mesmo do término do seu mandato.

Em 1964 apoiou a derrubada de João Goulart pelos militares acreditando que as eleições presidenciais de 1965 aconteceriam e com elas a chance de tentar, mais uma vez, chegar ao cargo mais importante da nação.

Quando o marechal Castelo Branco anunciou a extinção dos partidos e a supressão das eleições presidenciais, Adhemar fez críticas severas à decisão.

Acabou cassado pelos generais, tendo sido o seu nome o terceiro na lista de cassação, atrás apenas de Carlos Lacerda e Juscelino Kubistchek, também pré-candidatos.

Pela terceira vez em sua vida política, Adhemar de Barros seguiria ao exílio, fixando moradia em Paris, capital francesa.

Tendo adoecido, foi operado em janeiro de 1969, de hérnia e litíase, buscando a cura em águas consideradas milagrosas do santuário e gruta de Lourdes, na França, após visitar sofreu uma síncope.

Morreu em Paris, a 12 de março de 1969, aos 68 anos.

Seu corpo transladado para o Brasil foi desembarcado no Aeroporto de Viracopos, obra inaugurada por ele. 

O transporte até a capital paulista se deu pela Via Anhanguera, outra obra que teve a sua inauguração.

O sepultamento aconteceu no Cemitério da Consolação, em 16 de março, com grande presença de público e o toque de silêncio para o veterano da Revolução de 1932.


Fontes:  Paulistânia Eleitoral Ensaios e Memórias – Organização: José D’Amico Baub – pg. 209 com a colaboração de Rodrigo Archangelo, doutor em história social pela Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo e autorização do Centro de Memória Eleitoral do TRE-SP.

segunda-feira, 7 de setembro de 2020

Eleições municipais chegando, como nos tempos de Jânio e Erundina

Estamos dando início a uma série de postagens para contar fatos interessantes acontecidos nas campanhas eleitorais falando depois sobre as gestões dos eleitos.

Na política sempre há muitos insultos e provocações foi o que aconteceu entre os Jânio, Erundina, FHC e Maluf.

Em 1° de janeiro de 1989, Luiza Erundina de Souza assumiu o cargo de prefeita, depois de uma eleição bem disputada em turno único. Sua vitória foi sobre Paulo Maluf, com pequena margem de votos.

Primeira mulher a gerir os destinos da capital paulista, cuja população na época era de 9,8 milhões de habitantes, a paraibana de Uiraúna, antes vereadora, ganhou a eleição fazendo oposição ao então prefeito Jânio da Silva Quadros. 

O homem da vassoura defendeu durante sua gestão a implantação de garagens subterrâneas e um túnel por baixo do Rio Pinheiros, priorizando assim o transporte individual. 

Para contrapor, a candidata passou a defender caso fosse eleita, investimentos na melhoria do transporte coletivo.

Mas a política é contraditória, enquanto Jânio instituiu na cidade ônibus dois andares, beneficiando o transporte coletivo, Erundina, em sua gestão, inaugurou um os dos túneis do Anhangabaú e construiu mais um ponte na Marginal do Pinheiros, a Ponte Bernardo Goldfarb. 

Jânio instituiu a Guarda Civil Metropolitana - GCM e Erundina os “marronzinhos" da Companhia de Engenharia de Tráfego - CET” que ela preferia chamar de “amarelinhos”.


Foto de 1986 mostra o surgimento dos Arcos do Jânio após demolição dos sobrados
Foto de 1987 aponta o surgimento dos "Arcos do Jânio" após derrubada de antigos sobrados

Durante sua campanha eleitoral, Luiza Erundina, que era vereadora, criticava em plenário o ex-presidente - prefeito que retrucava na mesma medida. 

As discussões eram tantas que o nosso eterno chefe, José Paulo de Andrade, chegou a dizer em uma das edições do programa O Pulo do Gato que Jânio e Erundina, faziam lembrar a dupla musical “Jane e Herondy”, que fazia sucesso com uma música sobre um casal que vivia brigando, mas se amava profundamente. O nome da música? "Não se vá".


                                                                                       Jane e Herondy 


Conhecido em São Paulo por ter sido de tudo um pouco; prefeito, governador e presidente da República que renunciou sete meses depois de assumir, o varre-varre vassourinha estava de volta 25 anos depois.

Tendo sido prefeito entre 1953 e 1955, retornou em 1986 alimentando polêmicas com nuances engraçadas,  uma característica dele.

A primeira coisa foi a desinfetar a cadeira onde se sentava o prefeito.

“Desinfeto. Por ter sido ocupada por nádegas indevidas”, explicou.

Seu adversário na ocasião, o então senador Fernando Henrique Cardoso, dias antes da eleição foi ao gabinete do então prefeito, Mario Covas e tirou fotos sentado em sua cadeira.

Jânio utilizou aquilo em seu favor, acusando o gesto de arrogante pelo fato da eleição ainda não ter acontecido.

De fato, FHC que até aquele momento estava na frente nas pesquisas acabou perdendo.

Montagem reúne foto de FHC na cadeira do prefeito e Jânio fazendo a desinfecção dias depois


Eleito prefeito, Jânio Quadros deu início às suas decisões polêmicas, a primeira delas mandar colocar cercas em volta dos parques públicos sem consultar os vereadores. 

Houve reclamações e petições em contrário, mas as cercas permaneceram e estão lá até hoje,  ninguém mais reclama delas.

Depois mandou demolir, na calada da noite, um conjunto de antigos sobrados no bairro da Bela Vista, até então considerados de patrimônios históricos.

Aconteceu que ao se derrubar as antigas casas, se descobriu - sem querer - uma construção ainda mais antiga; um paredão erguido em tijolos para escorar o morro mais acima estava coberto pelos sobrados.

Não se encontrou na prefeitura nenhum documento que confirmasse a data daquela edificação, portanto, a obra encontrada valia mais, em termos de preservação, do que a existente antes.  Daí, o apelido de “Arcos do Jânio”.


Jânio dispensou as capas do paletó, mas passou a vesti-lo com camiseta no mesmo tom


De vez em quando o prefeito dava escapulida até Londres, cidade que dizia adorar. Depois se descobriu que havia outros motivos naquelas viagens.

Sem comunicar à Câmara Municipal que estava saindo em viagem, deixava os vereadores furiosos.

Depois, imitando os londrinos, levou adiante seu projeto de colocar em  São Paulo, ônibus de dois andares para o transporte coletivo.


Em 8 de setembro de 1987, São Paulo virou Londres recebendo o "Fofão", apelido dado pelo povo 


Nada parecia abalar o burgomestre que quase ao final de seu mandato, conseguiu aprovar a proposta de se construir o túnel que passa por baixo do Rio Pinheiros na direção do Morumbi.

Aí então, Luiza Erundina volta à nossa história.


Foto mostra Luiza Erundina, em 1989, sentada na mesma cadeira desinfetada por Jânio

Como queria priorizar o transporte coletivo, a "Tia" já eleita, argumentou que a continuidade da obra do túnel sairia cara demais aos cofres públicos, 

Ela preferiu aplicar o dinheiro na ampliação da frota de ônibus da hoje privatizada Companhia Municipal de Transportes Coletivos - CMTC.

Quatro anos se passaram e o adversário dela na eleição anterior, Paulo Maluf, saiu candidato novamente e dessa vez levou a melhor.

Eleito prefeito, mandou concluir a obra que sua antecessora havia deixado para trás e o túnel acabou pronto em 1994

Foi assim que o burgomestre virou nome de uma importante obra viária de São Paulo

Hoje para se chegar ao Túnel Presidente Jânio Quadros, é necessário passar antes pela Avenida Presidente Juscelino Kubitschek, por ironia do destino seu antecessor na chefia da nação.

No curto período em que foi presidente, JQ criticou muito JK e vice-versa.

Agora os dois seguem juntos, emprestando suas nomenclaturas a duas vias públicas unidas em uma mesma direção, coincidência que na época ninguém notou.



Antiga foto de jornal mostra Jânio e Juscelino aderindo à Frente Ampla de 1967


O mais importante de tudo que foi contado é que todos os nomes citados foram eleitos pelo voto direto.

Sendo assim, viva a democracia!