Quando me perguntam as razões da decadência do centro histórico de São Paulo, digo que o processo não vem de agora, visto que começou no início da década de 1950.
Após intensa campanha, em 1953, o prefeito Jânio Quadros mandou suspender os alvarás para o funcionamento de “bares” localizados na zona do baixo meretrício, entre as ruas Itaboca, Aimorés, Ribeiro de Lima e José Paulino, no Bom Retiro.
Naquele mesmo ano, em dezembro, o governador do
Estado, Lucas Nogueira Garcez, assinou outro decreto para pôr um fim definitivo
à prostituição em São Paulo.
Acreditaram que um simples decreto acabaria com uma profissão
existente no mundo desde os primórdios da humanidade.
Ao todo 161 prostíbulos foram fechados, houve até uma
“rebelião das meretrizes” inconformadas com a decisão, conforme aponta uma
reportagem do Diário da Noite que as trata como “decaídas”.
Surgia assim um divisor geográfico na cidade de São Paulo, as “meninas” migraram para o centro e a Avenida São João passou a ser a referência para os frequentadores do “baixo meretrício”.
De início, tudo acontecia meio às escondidas, para se
evitar a presença ostensiva da polícia, mas todos sabiam que da Avenida
Ipiranga até a Duque de Caxias, o fuzuê acontecia e a noite virava dia pelas
ruas Timbiras, Aurora, Vitória e General Osório, entre outras, até as imediações
da Estação da Luz
A região passou a ser chamada de “Boca do Lixo”, nela
atuavam cerca de 15 mil prostitutas para atender seus clientes em diversas
casas, apartamentos, bares e pequenos hotéis.
Lojistas, empresários e mesmo moradores que não concordavam com essas práticas deixaram a região.
Ao mesmo tempo uma parte do centro ainda ostentava glamour como, por exemplo, nas imediações do Teatro Municipal, Rua Barão de Itapetininga e Avenida São Luiz.
Pelo final da década de 1960, a Praça da República,
passou a abrigar nos domingos uma “feira hippie” onde se vendia todo tipo de
artesanato, artes plásticas, roupas exóticas, bijuterias e isso fez aumentar a
presença já existente do público hoje chamado LGBTQ+.
Nos bairros vizinhos como Vila Buarque e Santa Cecília
surgiram as boates da “Boca do Luxo” para os frequentadores de maior poder
aquisitivo como a Scaramuche, Michel, Boate Azul, La Licorne, Oasis, Hollywood
e Canto do Galo.
À espera de novos inquilinos inúmeros edifícios ficaram
abandonados dando margem às ocupações irregulares que permanecem até hoje.
Em 1976, o prefeito Olavo Setúbal, implantou os calçadões
nas ruas do centro velho: Direita, São Bento e 15 de Novembro.
De início a medida surtiu resultado positivo e os
calçadões foram ampliados até o centro novo, entre a Praça Ramos e a República.
Porém nesses lugares, o resultado não foi tão bom.
Camelôs com seus produtos de contrabando se
apoderaram das ruas e o comércio pra lá de popular se estabeleceu.
O centro virou um camelódromo entre os dois lados do
Viaduto do Chá, abraçou o Viaduto Santa Ifigênia e toda a região em torno da
Praça da Sé.
Em 1994 na parte compreendida pelas alamedas Cleveland, Dino Bueno, Nothmann e rua Helvétia, perto de onde antes funcionava a Estação Rodoviária, surgiu a Cracolândia, nome criado pela imprensa para designar o ponto de concentração de traficantes e consumidores de crack.
Antes, no ano de 1991, na condição de repórter, acompanhei
a sessão inaugural da Associação Viva o Centro, quando se apresentou uma estimativa de 20
anos para a recuperação completa da região central de São Paulo.
O prazo da Viva o Centro esgotou-se em 2011 e de lá para cá, sucessivos
prefeitos buscam encontrar soluções para este problema que se agrava a cada
dia, basta visitar o centro e ver o que acontece.
Em próximas postagens iremos comentar as novas propostas
que estão sendo discutidas e até mesmo colocadas em prática para fazer do centro um lugar melhor, mais habitável.
Material de Pesquisa:
Livros: Rago, Margareth/ Os prazeres da noite: prostituição
e códigos da sexualidade feminina em São Paulo, 1890-1930/Editora Paz e Terra/
Rio de Janeiro/1991
Stavale, Roberto/Janelas das Recordações/Factash/São Paulo/2011
Monografia: Da Instituição à Dissolução da Zona do
Baixo Meretrício Paulistana - A. Ricardo Mingareli Del Valle - Universidade Presbiteriana
Mackenzie, Brasil
A Rebelião das Meretrizes: https://www.historiadadisputa.com/rebeliao-das-meretrizes/