segunda-feira, 21 de fevereiro de 2022

Confissões de um vereador: Livro revela verdades sobre a cidade de São Paulo e faz desabafo

“São Paulo é um lugar onde a luta por soluções nunca termina”, afirma o médico e ex-vereador Gilberto Natalini, em seu livro "Lutas Sem Fim", lançado em 2021. 

No final do ano passado, compareci como convidado a um evento presidido pelo vereador Eliseu Gabriel, em comemoração aos 87 anos do bairro Itaim-Bibi e Natalini também estava por lá.

Na saída do encontro perguntei ao ex-vereador os motivos que o levaram a não tentar a reeleição para a Câmara Municipal na eleição de 2020.


Gilberto Natalini explicou que não houve uma única razão, mas uma série de acontecimentos alguns dos quais colocados em seu livro recém-lançado.

Na obra ele faz um balanço de suas atividades durante as cinco legislaturas em que exerceu o cargo de vereador, entre 2002 e 2020.

Nestes 18 anos estiveram no comando da prefeitura: Marta Suplicy, José Serra, Gilberto Kassab, Fernando Haddad, João Doria e Bruno Covas.

Suas áreas preferenciais de atuação na Câmara Municipal foram saúde pública e meio ambiente.

O livro tem linguagem pesada e às vezes confusa, mas trata de assuntos importantes como a "Carta de Atenas", elaborada em 1933, após um congresso que reuniu na Grécia arquitetos e urbanistas do mundo todo.

Na ocasião foram estabelecidos critérios para o crescimento harmônico das cidades, mas houve falhas em propostas importantes como a preservação da higiene dos rios e regras relacionadas ao desmatamento e uso do solo.

Os equívocos da "Carta de Atenas" ajudam explicar os erros cometidos em São Paulo que fizeram da metrópole um lugar inóspito e estéril em vários aspectos, inclusive no que diz respeito às relações humanas.

Gilberto Natalini está prestes a completar 70 anos, além de político, é médico e ambientalista, por isso no livro o tempo todo ele aborda questões científicas e técnicas. Sobre o efeito estufa, ele escreve:

“... Se trata de um processo iniciado no século 19, de aumento da temperatura média dos oceanos e da atmosfera da terra, causado por emissões de gases lançados da queima de combustíveis fósseis, desmatamentos e mudanças nos costumes que passaram a observar a natureza como material de exploração...”


A cidade de São Paulo com o seu trânsito caótico, colabora para o aumento do efeito estufa no planeta sem a devida compensação ambiental.

Foram transcritos dados interessantes que dizem respeito à Mata Atlântica: 

“O bioma ocupa 15% do território brasileiro, se concentra na costa, passa por 17 estados do país e sua extensão hoje representa apenas 12,4% da área original. A cidade de São Paulo abriga somente 17% dos remanescentes florestais originais...


“... No início do século 20, a Mata Atlântica cobria 69% da área ocupada pelo Estado de São Paulo, hoje restam apenas 13,7% desse total.

De acordo com o Atlas dos Remanescentes Florestais, nos últimos 30 anos foram desmatados mais de 183 mil hectares de Mata Atlântica no estado paulista.

Dos 645 municípios existentes no estado, 574 possuem cobertura de Mata Atlântica, mas para nenhum deles existe uma solução que traga tudo que foi perdido de volta...”

Como conclusão o livro define:

“... O que nos resta é realizar atividades no sentido de manter o que ainda existe e para isso se faz necessário modificar formas de comportamento, além de se conscientizar a todos sobre a necessidade de preservação permanente. Todavia se sabe que o aquecimento global e suas consequências deverão continuar século 21 adiante...”


“... Poderemos ter, elevação dos mares e o declínio da biodiversidade que envolve fauna e flora, além do agravamento em larga escala dos índices de fome, epidemias e conflitos violentos pelo fato de muitos perderem o que possuem por causa de sucessivas e bruscas mudanças ambientais...”



Enfim, valeu a pena ter lido o livro “Lutas Sem Fim”, e de ter comparecido em dezembro ao evento de aniversário do Itaim-Bibi. 

Ao Gilberto Natalini, embora com certo atraso, parabéns pelo lançamento!

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2022

Os hotéis de São Paulo e as histórias que poucos conhecem

São Paulo é campeã na qualidade e quantidade de hotéis em relação às demais capitais brasileiras.

A cidade perdeu recentemente o Maksoud Plaza, mas recebeu em troca o Rosewood São Paulo, primeiro hotel seis estrelas no Brasil nas dependências do complexo Cidade Matarazzo que terá até árvores nas varandas.


Pesquisas internacionais sempre mostram São Paulo entre as cidades campeãs em hospitalidade no mundo, graças à boa receptividade de seus hotéis.

Na capital paulista funcionam cerca de 1350 estabelecimentos deste tipo que recebem anualmente mais de 2,3 milhões de hóspedes.

A pandemia fez diminuir a quantidade de viagens, mesmo assim os números ainda colocam a Pauliceia na liderança do País no recebimento de turistas.

Parece surpreendente porque não há praias, o forte de São Paulo é o turismo de negócios, e mesmo aquele que vem a trabalho sempre encontra tempo para desfrutar de algum atrativo.

Existem agências que promovem pacotes de visitas a lugares como as arenas esportivas de futebol, jóquei clube, autódromo, galerias de arte, museus, além é claro, dos restaurantes.

São Paulo é a única cidade a oferecer pratos que constam no cardápio de 48 nações, por isso é chamada de “capital mundial da gastronomia”.


A história da hospitalidade paulistana, entretanto, mostra um passado nada recomendável em termos de bom-acolhimento e respeito aos turistas ou visitantes. 

No século 17, mais propriamente em 1620, existia apenas uma cama pertencente ao morador Gonçalo Pires. O restante da população dormia em redes ou simplesmente no chão.

Tal situação é descrita no livro “No Tempo dos Bandeirantes”, do cronista Belmonte, publicado em 1939. A obra é repleta de curiosidades a respeito da Piratininga do Brasil colonial.

A Câmara de Vereadores obrigou Gonçalo Pires a emprestar sua cama para uma autoridade que viria de Portugal.


Depois que o hóspede foi embora e sua cama devolvida, Gonçalo Pires apresentou um protesto por escrito à câmara municipal, conforme registro em atas da edilidade paulistana.

Se decidiu então implantar uma casa para hospedagens e um cidadão, cujo nome era Marcos Lopes, ficou encarregado de ser o hospedeiro oficial.

Seu atendimento, entretanto, foi considerado rudimentar pelos hóspedes e por tal motivo o serviço não seguiu adiante.


A falta de lugares para descanso dos viajantes, prosseguiu até a primeira metade do século 19, conforme relato do francês Auguste Saint-Hilaire em seu livro, “Visita à Província de São Paulo”.

O autor descreve que em 1819, morava no Largo do Piques um português chamado João Bexiga, que recebia em sua residência pessoas que quisessem dormir e não cobrava nada, pedia dinheiro apenas para cuidar dos cavalos.

Após passar uma noite nesse lugar, a conclusão de Saint-Hilaire foi que os cavalos acabavam sendo mais bem tratados que seus  proprietários, porque as acomodações da casa de João Bexiga eram péssimas.


Em 1826, houve uma leva de imigrantes alemães recém-chegados ao Brasil que por ordem de Dom Pedro I, vieram parar em São Paulo.

Ao chegarem se constatou que não havia lugar para eles e o grupo de alemães permaneceu esparramado pelas ruas durante alguns meses uma situação quase semelhante à dos sem-teto de hoje.

Só depois de algum tempo, é que o Senador Vergueiro teve a ideia de mandá-los para Santo Amaro onde fundaram uma colônia alemã que hoje é nome de um bairro na região de Parelheiros.


Bares noturnos surgiram a partir do ano seguinte à vinda dos alemães, 1827, por causa da implantação dos cursos jurídicos no Largo São Francisco e jovens estudantes passaram a circular pela cidade até as altas horas.

Hotéis de verdade, mas ainda precários, vieram só depois de 1850 e o primeiro deles foi o Hotel Paulistano.

Em seguida foram inaugurados os hotéis do Comércio e Universal, além deles o Hotel Quatro Nações tornou-se bem conhecido, tendo modificado seu nome depois para Hotel de França.



Mais adiante, em 1878, foi inaugurado o Grande Hotel, na Rua São Bento, cuja foto aparece acima. Em pouco tempo o lugar passou a ser considerado, o melhor do Brasil. 

Seu proprietário, Frederico Glete, recebeu em 1886, com toda pompa e circunstância, a famosa atriz francesa Sarah Bernhardt, uma das primeiras mulheres no mundo das artes cênicas a obter projeção internacional.


Jornais da época, como o Correio Paulistano, noticiaram que após sua apresentação em uma noite chuvosa no Teatro São José, estudantes da Faculdade de Direito acompanharam a atriz até a entrada do hotel de um modo cavalheiresco nunca antes visto.



Para que a diva não sujasse os sapatos na terra molhada, os jovens colocaram seus paletós no chão para que a estrela pudesse caminhar sobre eles até a entrada do hotel. 

Sarah Bernhardt mostrou-se lisonjeada com a atitude e ao agradecer, lançou beijos a todos em meio ao burburinho de vozes, assovios e aplausos.

A atriz do século 19, de tão famosa, virou marca de sabonete. Esta é apenas uma entre tantas histórias de São Paulo em seus primórdios.

Segue abaixo um anúncio de jornal sobre o show de Sarah Bernhardt.



 

Livros: 

Belmonte/No Tempo dos Bandeirantes/Editora Melhoramentos/21a. edição/São Paulo/1998

De Saint-Hilaire, Auguste/Visita à Província de São Paulo/Garnier Editora/2a edição/São Paulo/2020

Obs: Outras informações foram obtidas na entrevista com a professora Raquel D'Alessandro Pires, da Faculdade de Hotelaria da Unip e da Unisa – Sorocaba, autora da dissertação, Hotéis da Cidade de São Paulo, história e trajetória (1889-1971) em 2006.

Ouça a entrevista em podcast acessando: 

https://open.spotify.com/episode/0FBeNfBBp7NNytMSIbhqy2?si=NkTuA23sQOiqbBXbNY6qCA&utm_source=whatsapp&nd=1


quinta-feira, 3 de fevereiro de 2022

Monteiro Lobato x Anita Malfatti e muito mais sobre a Semana de 22

Fevereiro de 1922 foi o mês em que aconteceu a Semana de Arte Moderna que aos poucos modificou pensamentos em relação à concepção do que é arte no Brasil. O movimento modernista não foi revolucionário, mas transformador e o centenário deste encontro histórico, se dará no domingo, 13 de fevereiro de 2022.

Todos nós sabemos que nada surge de uma hora para outra, já existia na Europa ações culturais diferenciadas dos moldes tradicionais e no Brasil, em 1917, uma exposição de pinturas levantou discussões que culminaram na elaboração da Semana de 22, em resposta aos intelectuais conservadores de então.




A “Exposição de Pintura Moderna Anita Malfatti”, inaugurada no dia 12 de dezembro daquele ano, reuniu em um salão do centro de São Paulo, 53 quadros da artista que convidou para a mostra outros pintores com os quais compartilhara experiências nos Estados Unidos.

Logo na primeira semana, 8 pinturas de Anita foram vendidas, mas eis que, numa quinta-feira, 20 de dezembro de 1917, aparece nas páginas de “O Estado de S. Paulo", um texto avassalador assinado por ninguém menos que Monteiro Lobato.



Cronista e escritor já bem lido e conhecido, Lobato na coluna, até que tentou preservar Anita de sua revolta contra os modernistas, naquele tempo chamados também de futuristas.


Na crônica buscou mostrar simpatia à pintora, mas a deixou de “saia justa” ao escrever que os modernistas,
“vêm anormalmente a natureza e a interpretam à luz das teorias efêmeras, sob a sugestão estrábica de escolas rebeldes, surgidas cá e lá como furúnculos da cultura excessiva”.

Quanto a Anita ele diz: “Essa artista possui um talento vigoroso, fora do comum...Entretanto, seduzida pelas teorias do que ela chama arte moderna, penetrou nos domínios de um impressionismo discutibilíssimo, e pôs todo o seu talento a serviço duma nova espécie de caricatura. Sejamos sinceros: futurismo, cubismo, impressionismo e tutti quanti não passam de outros ramos da arte caricatural...”

O ataque do escritor de Taubaté mexeu com aquilo que a pintura de Anita Malfatti possui de mais valioso, a fuga do desenho formal de rostos e dimensões. Isto pareceu ousado demais para o pensamento conservador da época do qual o próprio Lobato fazia parte. 




Mais à frente no texto    , o escritor enfatiza: “...não fosse profunda, a simpatia que nos inspira o belo talento da sra. Malfatti, e não viríamos aqui com esta série de considerações desagradáveis.”

E prossegue: “Como já deve ter ouvido numerosos elogios à sua nova atitude estética, há de irritá-la como descortês impertinência, a voz sincera que vem quebrar a harmonia do coro de lisonjas. Entretanto, se refletir um bocado, verá que a lisonja mata e a sinceridade salva...”




Ainda que na tentativa de preservar Anita, Monteiro Lobato na verdade a deixou desconcertada, a ponto dela receber de volta 5 dos 8 quadros vendidos. O artigo foi grosseiro, de uma raiva descabida em relação aos modernistas e nunca houve alguém que testemunhasse a visita dele à exposição, ou seja, criticou sem ver.

A exposição começou perto do natal, depois vieram as festas de ano novo e uma resposta ao autor, foi apresentada quase um mês depois, por Oswald de Andrade, assinando com as iniciais, O.A. nas páginas do "Jornal do Comércio".

Ao fazer a defesa da artista, Oswald elogiou o pioneirismo e originalidade das pinturas, só que em 18 de janeiro de 1918, um dia após o término da exposição.



Uma discussão entre de Mário de Andrade e Monteiro Lobato, foi retratada na minissérie, “Um Só Coração”, de Maria Adelaide Amaral, levada ao ar em 2004, pela Rede Globo. A conversa suscitou no rompimento entre os dois.




Monteiro Lobato manteve-se irredutível em seu parecer, a ponto de relançar a crítica em seu livro, "Ideias de Jeca Tatu", de 1919, com o título “Paranoia ou Mistificação”.

Em resposta ao que consideravam intransigência do escritor, os empresários e mecenas Paulo Prado, Rene Thiollier e outros, paulistanos endinheirados da época, decidiram financiar a criação da Semana de Arte Moderna de 1922, escolheram o espaço cultural mais caro, requintado e desejado da cidade, o Teatro Municipal de São Paulo.

Ao relembrar os 100 anos da Semana de 1922 tenho dedicado meu tempo a refletir as razões pelas quais ainda não surgiram no Brasil do século XXI, mentes criadoras que possam trazer inovações aos nossos meios culturais, artísticos e musicais como aconteceu na São Paulo de outrora.

Aprecie abaixo duas outras obras da artista plástica Anita Malfatti.

O Farol - 1917
Homem Amarelo - 1917

Leia nosso artigo: https://blogdogeraldonunes.blogspot.com/2022/01/brasil-2022-segue-parado-na-linha-do.html

Fontes:

Monteiro Lobato/Artes e Artistas /O Estado de São Paulo/20/12/1917

Portal Outras Palavras: A exposição de Anita Malfatti - 26/04/2014

Portal Toda Matéria: Anita Malfatti por Daniela Diana, professora licenciada em Letras

Andrade, Oswald/Um homem sem profissão/2ª. ed. Rio de Janeiro/Civilização Brasileira/1976

Lobato, José Bento Monteiro/Ideias de Jeca Tatu/35a ed. São Paulo/Editora Brasiliense/1973