sexta-feira, 1 de maio de 2020

Na despedida de Ayrton Senna, lágrimas caíam do céu e um avião quase nos atropela em pleno voo


Já relatei algumas situações de perigo que enfrentei nos tempos de repórter aéreo.

Faltava contar como foi o dia em que quase fomos atropelados por um Boeing 747 – Jumbo.

Pelo horário em que chegou o avião, se tratava de um voo internacional e ele estava em sua rota correta de pouso e, acreditamos, lotado de passageiros.

Seria uma tragédia e tanto que felizmente não aconteceu.

Estávamos eu e o comandante Diniz Caputto, a bordo de um Enstrom 280, helicóptero alugado pela Rádio Eldorado - 700 kHz - AM.

Nossa sorte é que deu tempo de “brecar” o nosso aparelhos, assim saímos vivos para explicar mais essa história.

O episódio aconteceu em 5 de maio de 1994, sobre a Rodovia Hélio Smidt, a estrada que leva ao Aeroporto Internacional de Guarulhos.

Contando assim, pode parecer que foi barbeiragem do nosso piloto, mas tenham certeza, não foi.

Caputto não foi alertado pela torre e segurou o helicóptero no braço porque viu o avião chegando.

Considerada antes um esporte de elite assim como o tênis, Ayrton Senna tornou popular a Fórmula 1 entre os brasileiros

Por sua vez, os controladores de voo que coordenam os aviões não tinham como alertar, porque naquele dia outros 46 helicópteros sobrevoaram a região ao mesmo tempo.

A trombada com o avião quase aconteceu porque naquele dia todos estavam trabalhando na cobertura do desembarque do corpo do piloto Ayrton Senna, em 5 de maio de 1994, uma quarta-feira.

Este é o Boeing 747 Jumbo que passou à nossa frente, mais ou menos nessa distância só que voando, e no sentido contrário

Sobre o acidente pavoroso com Ayrton Senna naquele 1° de maio fatídico do GP de San Marino de F-1, em Ímola na Itália, eu nem preciso relatar, quase todos viram e reviram.

A palavra tristeza nem foi apropriada àquele acontecimento, quem viveu sabe o que estou dizendo.

O povo brasileiro ficou abalado e profundamente comovido com a morte do grande piloto.

Naqueles tempos de internet engatinhando e sem Waze, a palavra de um repórter aéreo era essencial nas orientações do trânsito.

Normalmente antes ainda do sobrevoo, passávamos pela emissora às 5 da manhã, para apresentar do estúdio um programa chamado De Olho na Cidade.

No encerramento do programa avisávamos: “Estamos a caminho do helicóptero”.

Nosso embarque acontecia exatamente às 7 horas, mas naquele 5 de maio, data da chegada do corpo de Ayrton Senna, decolamos uma hora antes e de casa me dirigi direto ao Campo de Marte.

Usamos uma aeronave semelhante a essa: Com o Enstrom 280FX sobrevoamos o desembarque e traslado de Ayrton Senna

A finalidade aquele dia não foi a costumeira cobertura do trânsito, mas sim a descrição dos acontecimentos em torno do desembarque do tricampeão morto.

Nas dependências do aeroporto e, ao longo do trajeto do cortejo fúnebre, repórteres de nossa emissora foram posicionados em pontos estratégicos.

Para coordenar o rodízio de informações estava o âncora Marcelo Parada, na ocasião diretor de jornalismo da Rádio Eldorado.

Me lembro de colegas como Rogério Spegn, Ana Lúcia Moretto, Ana Paula Moraes, Nelson Laginestra e Filomena Salemme nessa cobertura.

A imprensa do mundo todo estava presente, afinal se tratava de um tricampeão da F-1.

Nos helicópteros se distribuíam repórteres, fotógrafos e cinegrafistas de diferentes países.

Uma fila de helicópteros em sobrevoo ocupou a margem da pista de taxiamento do aeroporto de Guarulhos.

Só dava para dar uma olhada e sair porque o giro era contínuo, ninguém poderia pairar.

Foi deste modo, tendo que improvisar, que anunciamos a hora em que colocaram o esquife sobre o caminhão dos bombeiros.

Os smartphones não existiam e não dava tempo para fotografar do alto, mas o que acontecia está nessa foto

O esquife contendo o corpo de Ayrton Senna foi desembarcado pela porta traseira do avião da Varig
Dali sairia o féretro com destino ao Salão Nobre da Assembleia Legislativa de São Paulo, no Ibirapuera, onde aconteceria o velório.

Ao se iniciar o traslado, ainda sobre Rodovia Hélio Smidt, nosso piloto continuou seguindo a fila de helicópteros.

Foi nessa hora que passou o Boeing em direção ao pouso em grande velocidade à nossa frente.

O comandante Caputto segurou a aeronave como se estive puxando o arreio de um cavalo.

Frear um helicóptero em pleno voo é algo arriscado, mas foi essa a alternativa que ele teve.

O Jumbo 747 passou voando a cerca de 150 metros de nós. 

A força do vento deixada pelo avião (vácuo) flexionou nosso helicóptero para baixo e mais uma vez Diniz Caputto teve que controlar a aeronave.

Meu coração (e o dele, acredito) quase saíram pela boca tamanho o susto que levamos. Imagine trombar com um avião voando?

“Sobrevivi”! Pensei. Acho que também tenho 7 vidas. Já passei por cada uma!

Após a Rodovia Hélio Smidt, o cortejo fúnebre ingressou na Rodovia dos Trabalhadores, que depois passaria a se chamar Ayrton Senna, por causa desse dia.

Na Marginal do Tietê algo inédito aconteceu: Os motoristas começaram a parar seus carros em solidariedade ao campeão. 

Todos desciam dos veículos para acenar um último adeus, acredito que jamais teremos algo semelhante em São Paulo.

A partir da Avenida 23 de Maio a cavalaria da PM em trajes de gala passou a escoltar o caminhão com o esquife até a Alesp

Não pensem vocês que a cobertura aérea terminou aí.

Quando o féretro chegou ao prédio da Assembleia Legislativa, no Ibirapuera, os helicópteros se aglomeraram de novo.

Dessa vez não havia coordenação dos aeroportos.

Os helicópteros se misturaram uns aos outros mais parecendo um enxame de abelhas em torno de uma colmeia.

Cada piloto de helicóptero se virava como podia, o risco era iminente.

Uma triscada entre as pás de uma aeronave e outra, poderia resultar na queda dos dois aparelhos.

Havia o risco de acontecer uma tragédia durante a cobertura de outra tragédia.

Felizmente lá em cima, mais uma vez, nós e todos os demais, escapamos  ilesos.

Os helicópteros voavam agrupados mais ou menos assim, depois sobre a Alesp passaram a girar sem coordenação alguma

O comandante Costandi Cardosh, com página no Facebook, participou daquela cobertura pelo Globocop.

Foi ele quem me passou a contagem: 46 helicópteros sobrevoaram São Paulo em um mesmo lugar, ao mesmo tempo, naquele 5 de maio de 1994.

Trata-se de mais um fato inusitado que entrou para a história da cidade de São Paulo.

Lá embaixo havia flores, bandeiras e papéis picados reluzindo ao sol de uma manhã de magnífico esplendor.

Ao mesmo tempo o caixão com o corpo de Ayrton Senna era retirado do caminhão de bombeiros e conduzido ao salão nobre.

Foi uma das cenas mais bonitas e mais tristes que eu já vi em toda a minha vida.

Dizem que os repórteres precisam manter a frieza na hora de transmitir notícias que emocionam.

Naquele dia, entretanto, o repórter aéreo não conseguiu conter as próprias lágrimas e um de seus boletins precisou ser interrompido pela voz embargada.

O retorno daquele voo sobre a Assembleia Legislativa até o Campo de Marte, transcorreu em silêncio.

Nem eu nem o comandante Caputto tivemos palavras para comentar o trabalho difícil daquele dia.

Não faltaram incidentes, riscos e emoções.

Finalmente mais um pouso seguro após a missão cumprida. Silêncio. Falar o quê, diante de tamanho sentimento de perda!
O momento em que o esquife é levado para o Salão Nobre da Alesp: Apesar da foto em preto e branco observem o caminho repleto de flores. Do alto caíam lágrimas vindas do céu


No dia seguinte, 6 de maio, aconteceu o sepultamento no cemitério do Morumbi, do alto assistimos esse cortejo


A Esquadrilha da Fumaça passa voando acima dos helicópteros para mais um susto do repórter aéreo

Ainda assim, o que de mais importante Ayrton Senna nos deixou foi um legado de boas lembranças


5 comentários:

  1. Maravilhoso. Parabéns. Deus abençoe.

    ResponderExcluir
  2. Já estamos 26 anos à frente daquele fatídico dia, mas a sensação de vazio ainda permanece...
    Que tenhamos força e sabedoria para entendermos a vontade de Deus.

    ResponderExcluir
  3. Nossa passer perto de um 747 voando deve ter sido apavorante. So a onda de vento do aviao pode derrubar um helicopetero

    ResponderExcluir
  4. Uma experiência emocionante e perigosa, certamente marcante. A passagem de Ayrton Senna marcou a vida de todos nós e duvido que tem algum brasileiro que não saiba exatamente o que estava fazendo naquele Primeiro de Maio, quando viu o trágico acidente ou recebeu a notícia. Como você disse a comoção do dia 5 de Maio que foi vista em São Paulo dificilmente será vista novamente.

    ResponderExcluir