segunda-feira, 27 de abril de 2020

Foi mesmo Pedro Álvares Cabral quem descobriu o Brasil? Há controvérsias


Nos meus tempos de aluno na escola pública havia comemorações em sala de aula alusivas ao descobrimento do Brasil.

Hoje quase não se fala mais nisso e a data 22 de abril passa em branco, ofuscada pelo feriado de Tiradentes, um dia antes.

Assistindo ao programa do Ratinho no SBT, o apresentador perguntou a uma das meninas do auditório: Quem descobriu o Brasil?

A pobrezinha não soube responder e uma quantidade de água armazenada em uma bexiga caiu sobre ela.

Antes de criticá-la dizendo que a qualidade do ensino no Brasil é ruim, observe: 

Como pode ter sido o Brasil descoberto em 1500 se o Tratado de Tordesilhas já previa a existência de um novo continente, em 1498?

O Tratado de Tordesilhas oferecia a parte maior das terras para a Espanha.

Deste modo, Portugal precisava garantir o seu quinhão, mesmo sabendo que sua parte do bolo era menor e assim o fez.

Na Escolinha do Professor Raimundo, um dos personagens diria então que sobre tudo isso,"há controvérsias". E há mesmo.

Na pintura de Oscar Pereira do Silva, o imaginário de como foi o desembarque dos portugueses no Brasil em 1500
Com o advento da internet, pesquisas históricas antes guardadas em livros se tornaram mais acessíveis.

Quem procurar no Google pelo nome Vicente Yañez Pinzon saberá que ele é tido por historiadores como o real descobridor do Brasil.

Novos estudos revelam que o navegador português Bartolomeu Dias, ancorou suas velas em Cananéia, em 1497.

Esses relatos possivelmente tenham ajudado no estabelecimento do Tratado de Tordesilhas, à época.

Pinzon fez seu anúncio ao rei da Espanha, Fernando II de Aragão, de ter pisado em novas terras, provavelmente Pernambuco, em 26 de janeiro de 1500, depois de Bartolomeu Dias.

Pelo feito, entretanto, Pinzon foi condecorado em Espanha, a 5 de setembro de 1501.

Cabral chegaria três meses depois em Porto Seguro, mas sua passagem garantiu referendo ao Tratado de Tordesilhas, dando a Portugal a parte do continente que lhe cabia.

Por isso oficialmente quem descobriu o Brasil foi Pedro Álvares, cujo sobrenome também provoca discussões.

Gravura digital apresenta o texto do Tratado de Tordesilhas e a linha divisória oferecendo parte menor a Portugal

Em 20 de maio de 1498, o navegador português Vasco de Gama conseguiu chegar às Índias, mas retornou sem trazer os resultados comerciais que se esperava.

O rei Dom Manuel I, o Venturoso, decidiu organizar nova expedição.

A cruzada reuniu cerca de 1500 marujos distribuídos em 10 naus, 3 caravelas, mais uma naveta de mantimentos.

Foi a maior esquadra formada até então, sendo escolhido para comandá-las, o chefe militar Pedro Álvares Gouveia.

Filho de Fernão Cabral, recebeu o sobrenome da mãe Isabel Gouveia,  por não ser o primogênito da família, conforme costume da época.

Cabral, digamos, foi um apelido carinhoso que deram ao Pedro Álvares Gouveia, filho de um ilustre fidalgo de Belmonte, admirado pelo rei.

Alguns historiadores dizem também que o comandante da frota portuguesa que oficialmente descobriu o Brasil não possuía experiência marítima.

Havia na expedição, entretanto, conhecidos navegadores como Nicolau Coelho, Sancho de Tovar e o próprio Bartolomeu Dias, para dar conta do recado.

A indicação de Cabral foi uma decisão política, não há dúvida.

Era preciso um militar de pulso firme para levar adiante as negociações com o Samorim.


Pedro Álvares Cabral tinha 32 anos quando aportou no Brasil, era bem-visto pelo rei, mas detestado pelos marujos
Líder comercial e político em Calecute, nas Índias, o Samorim não aceitou as propostas apresentadas por Vasco da Gama quando este quis retornar a Lisboa levando as mercadorias. 

O navegador voltaria de mãos abanando, mas antes de retornar detonou canhões sobre a cidade indiana para demonstrar seu poderio bélico.

Essa nova expedição teria que trazer, de qualquer jeito, as tão necessárias especiarias para a conserva de alimentos.

Para isso as naus foram equipadas com o que havia de mais moderno em armamentos.

Banqueiros de Gênova e Florença descontentes com a supremacia dos concorrentes de Veneza patrocinaram a viagem.

Os venezianos tratavam diretamente com os turcos, detentores da rota terrestre, a compra das especiarias e estavam ficando cada vez mais ricos e poderosos, era preciso detê-los.

Vale lembrar que a Itália só seria unificada no século 19 e suas cidades ou regiões concorriam nos negócios umas com as outras.

A Índia também não estava unificada, daí o termo "Índias".

Portugal, um país pequeno, não tinha dinheiro para custear uma expedição de tamanha envergadura, mas tinha em seu favor a experiência marítima.

Tal condição propiciou o que podemos chamar na linguagem atual de, parceria público-privada com os banqueiros.

Gravura mostra a nau-capitânia comandada por Pedro Álvares Cabral com a Cruz de Cristo ostentada nas velas
Zarparam de Lisboa, em 9 de março de 1500, tendo Cabral levado consigo um roteiro elaborado por Vasco da Gama.

Nele havia a recomendação para que após cruzar as Ilhas de Cabo Verde, se derivasse a oeste para atingir as novas terras.

A decisão faria valer para Portugal a posse de parte desse novo continente, graças ao Tratado de Tordesilhas estabelecido dois anos antes.

Após Cabo Verde, porém, aconteceu uma tragédia: a nau de Vasco de Ataíde naufragou matando seu comandante e os outros 150 ocupantes.

Em 21 de abril os marujos começaram avistar vegetais flutuando sobre as águas. Alguém gritaria mais adiante: "Terra à vista"!

Na quarta-feira, 22 de abril de 1500, tornou-se visível a elevação que Cabral deu o nome Monte Pascoal, por ser domingo de Páscoa.

Ao desembarcarem deram ao lugar o nome de Porto Seguro e nativos completamente nus, portando arco e flecha, os aguardavam.

Gaspar da Gama, um poliglota a bordo, ao lado de Nicolau Coelho, sob as ordens do "capitão", que se supõe seja Cabral, fizeram o primeiro contato.

Sinalizaram para que os nativos baixassem suas armas, “e eles os pousaram”, descreveria Pero Vaz de Caminha em sua carta.

Pintura retrata os portugueses erguendo a cruz para celebração da primeira missa pelo frei Henrique de Coimbra

A maravilhosa carta de Pero Vaz de Caminho relata em descrição emocionada, o descobrimento do Brasil.

Redigida em um português castiço precisou ser reescrita por Rubem Braga, em 1968, de forma a torná-la compreensível nos dias de hoje. 

Os originais da carta de Pero Vaz de Caminha, ficaram esquecidos na Torre do Tombo até o século 19
"... eram pardos, todos nus, sem coisa alguma que lhes cobrisse suas vergonhas... ao domingo de Pascoela pela manhã, determinou o capitão irem todos ouvir missa e pregação naquele ilhéu e assim foi feito, à qual foi dita pelo padre frei Henrique, em voz entoada...

...e, depois de acabada a missa, assentados nós à pregação, levantaram-se muitos deles da terra, tangeram corno ou buzina, e começaram a saltar e dançar um pedaço...

...parece-me gente de tal inocência que, se homem os entendesse e eles a nós, seriam logo cristãos, porque eles, segundo parece, não têm, nem entendem em nenhuma crença...

...não duvido que eles, segundo a santa intenção de Vossa Alteza, se hão de fazer cristãos e crer em nossa santa fé, à qual praza a Nosso Senhor que os traga, porque, certo, esta gente é boa e de boa simplicidade...

... e pois, Nosso Senhor, que lhes deu bons corpos e bons rostos, como a bons homens, por aqui nos trouxe, creio que não foi sem causa...

“...portanto, Vossa Alteza, que tanto deseja acrescentar a santa fé católica, deve cuidar da sua salvação e prazerá a Deus que com pouco trabalho seja assim...”

Estava selado do Descobrimento do Brasil!

Mais adiante, se assim me pedirem, escreverei neste blog a conclusão da viagem de Pedro Álvares Cabral às Índias e seu retorno à Pátria-Mãe.

O mapa em desenho atual torna compreensível o roteiro seguido para se chegar ao Brasil e depois às Índias.


Fontes: Carta ao Rei Dom Manuel – Versão Moderna Rubem Braga: 1968 – Edições Best Bolso – Rio de Janeiro


A Viagem do Descobrimento: 1998 – Editora Objetiva – Rio de Janeiro

5 comentários:

  1. O desvio para o Oeste estava no programa. Foi a descoberta official. Vale a pena continuar a viagem sim.

    ResponderExcluir
  2. Ao visitar o Museu Marítimo em Lisboa me surpreendi ao ver que Cabral é tratado como uma figura secundária e quase sem nenhum destaque comparado com Vasco da Gama e Bartolomeu Dias.
    Sugiro que leia uma história muito interessante "Ilha de Santa Helena, um luso e 30 anos de solidão" que foi publicado um resumo em 10/12/2019 no Estadão e narra a história de Fernão Lopes.
    Há muitas indicações sobre navegação em Portugal perto da época do descobrimento do Brasil. Impressionante o conhecimento que tinham das correntes marinhas.
    Essa história está na íntegra no livro “O Outro Exílio, A História Fascinante De Fernão Lopes. Da Ilha De Santa Helena E De Um Paraíso Perdido.”

    ResponderExcluir
  3. Formidável! Aguardo ansiosamente o que escreverá neste blog sobre a conclusão da viagem de Pedro Álvares Cabral às Índias e seu retorno à Pátria-Mãe.

    ResponderExcluir
  4. Excelente Geraldissimo. Belo relato. Um pouco diferente do que dona Rosinha contou no primário.

    ResponderExcluir