Andar de helicóptero é uma
coisa adorável, mas também perigosa.
Nestes momentos de reflexão e
de retiro forçado pelo coronavírus, além das meditações da semana santa, cativar
lembranças dos sobrevoos por São Paulo, se faz importante.
Certa vez me perguntam como era
possível trabalhar de maneira tão arriscada e ainda assim demonstrar
tranquilidade nas narrações.
Respondi: “É como estar na
Praça da Sé, um lugar perigoso onde ao mesmo tempo pessoas fazem orações pelo bem comum. O prazer e o medo
caminham juntos.”
De fato, o ofício de repórter
aéreo é arriscado, mas por outro lado é bom de se fazer.
O sentido de liberdade é imenso e, do alto, se pode observar quase tudo.
Imagino que Deus observe a ação dos seres humanos dessa maneira, mas claro, em uma altura onde nenhuma aeronave consegue chegar.
A cidade vista do alto a partir da Praça da Sé em alguma dessas manhãs nebulosas de abril |
Não há explicações para o amor
diante a uma cidade de tantas contradições e desafetos. Alguém consegue
explicar o amor?
Na verdade é preciso, antes
de tudo, entender a cidade e o jeito como ela funciona.
O saudoso cronista Lourenço
Diaféria, em uma palestra, disse que “só depois de se passar pela Praça da Sé, se compreende o que é São Paulo". Isto vale tanto pelo lado positivo quanto no negativo.
Guardei essas palavras difíceis
de serem compreendidas por aqueles que não enxergam a cidade com os olhos do coração e, como repórter aéreo que fui, de voo em voo, anos a fio, passei a entender claramente as explicações
do cronista.
Na Sé, depois que a missa
termina, a catedral fecha suas portas para evitar situações degradantes dentro da casa de Deus, o que é uma pena, mas inevitável.
As contradições da cidade se escancaram na Praça da Sé |
Por tais motivos, a Praça da Sé perdeu sua importância, ela que já o palco de tantas manifestações políticas e religiosas.
O corre-corre apressado de outros tempos foi substituído pelos que buscam ali somente passar o tempo, simplesmente por não terem para onde ir.
Em frente ao prédio do
Tribunal de Justiça um espelho d’água serve de piscina e banho aos
desprovidos e maltrapilhos.
Entender para conseguir amar São Paulo: Aula de difícil compreensão |
Na Sé, as cenas que chocam o coração aparecem a todo momento, basta permanecer ali por alguns instantes.
O Marco Zero das distâncias segue lá posicionado. Sua marca registrada é o monumento de pequena altura e serve de mesa ou de assento para os despreocupados
O Marco Zero da Praça da Sé é um monumento de pequena altura que por várias vezes foi depredado |
Mas, "a praça é do povo como
o céu é do condor”, escreveu o poeta Castro Alves e continua sendo, ainda que seja dos que se encontram no desemprego e desalento.
Inauguração do Marco Zero aconteceu em 1934 com pompa e circunstância |
São Paulo, fundada em 1554
com a intenção educativa de alfabetizar e catequizar, se tornou durante o século 20 o resumo do Brasil.
Agora, em pleno século 21, nos parece não haver muito o que fazer a não ser orações para Deus fazer surgir no coração de seus governantes a real intenção de revigorar aquele lugar dando amparo ao povo marginalizado cada vez mais oprimido por uma sociedade que avalia os problemas da Pátria a partir do próprio umbigo.
Diante do Marco Zero das distâncias relembro a Sé movimentada dos tempos de criança e concluo: São Paulo a cidade adorável, também é perigosa onde o bem e o mal caminhos ligados por um fio de seda capaz de arrebentar diante do menor impulso.
O Marco Zero da Praça da Sé visto de cima, por um drone |
Praça da Sé abraçou a Clóvis Beviláqua após as obras do metrô. Todas as fotos fornecidas pelo Google |
Perfeito
ResponderExcluirA Praça da Sé,bastava ouvir o nome e as lembranças ( boas) surgiam em catadupa.Hoje, embora elas ainda persistam, são acompanhadas por lágrimas.Lamentos por um povo sofrido e segregado que hoje espelham a Nação.
ResponderExcluirA Praça da Sé, nosso marco zero, mostra claramente as faces tão diferentes da nossa cidade. Belíssimo texto.
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