segunda-feira, 6 de abril de 2020

O padre Anchieta não voava, mas caminhou depressa para o combate à varíola primeira doença a desembarcar no Brasil


Em tempos de coronavírus, acontecimentos da história que lembram doenças estão na moda.

Quando o assunto for pandemias, teremos sempre que levar em consideração o estágio da ciência e da medicina em relação à época em que tudo aconteceu.

A recomendação segue válida também para o “causo” que contaremos hoje.

Falaremos da atuação do padre José de Anchieta no tratamento de pessoas doentes, embora ele não fosse médico.

Curandeiro? Nem pensar. Essas funções cabiam aos pajés e suas pajelanças, mas o problema é que não havia médicos na São Paulo recém-fundada.

Fundação de São Paulo: Pintura de Oscar Pereira da Silva nos faz imaginar a cidade que nascia no então Pátio do Colégio

No século 16 não havia poluição das águas e dos rios como agora, mas as condições sanitárias eram de todo modo precárias.

José de Anchieta possuía a virtude de saber conversar e de ouvir os nativos das terra tupiniquim.

Foi assim que ele descobriu a trilha utilizada pelos indígenas para subir a serra de São Vicente até o Planalto de Piratininga.

O trajeto passou  a ser chamado pelos portugueses de “Caminho do Padre José”. A subida era feita de cócoras, cada um se agarrando às pedras entre o lodo e lamaçais, ainda assim era o caminho mais fácil.

O jesuíta jamais sonhou um dia dar nome a uma das rodovias mais importantes na ligação entre a capital e o litoral paulista.

Fosse possível viajar de helicóptero naquele tempo, ainda assim, o padre Anchieta teria ido praticamente aos mesmos lugares onde esteve.

Destemido, caminhava bastante. Historiadores calculam uma média de 150 quilômetros por mês especialmente no período em que viveu entre Itanhaém e a praia de Iperoig, em Ubatuba.

Pintura busca retratar o Poema à Virgem, escrito por Anchieta quando esteve à mercê dos Tamoios, nas areais de Iperoig

Cartas escritas por Anchieta revelam passagens interessantes dele, desde a fundação de São Paulo e pasmem, do Rio de Janeiro também.

Na condição noviço assistiu à inauguração do Colégio de Piratininga. em 25 de janeiro de 1554. 

Para a posteridade ficou uma carta explicando como era o humilde o Pátio do Colégio. 

“Desde janeiro deste ano (1554) permaneço em um colégio de barro e pau coberto de palhas, tendo 14 passos de comprimento e 10 de largura onde dormem às vezes até 20.”

Certa vez o lugar precisou ser transformado em enfermaria para o atendimento de vítimas da varíola, ao que se sabe, primeira doença a assolar São Paulo.

A varíola foi uma das principais responsáveis pela dizimação da população nativa das Américas.

Essa epidemia entrou no Brasil a bordo das embarcações portuguesas e as feridas extremamente doloridas eram chamadas bexigas.

Quadro de Benedito Calixto aponta o que seria a parte interna do Pátio do Colégio

“Em Piratininga precisei servir de médico e barbeiro curando e sangrando a muitos”, descreve o sacerdote em uma de suas missivas.

Ressalte-se: o termo barbeiro naquele tempo não se referia ao corte de barba ou cabelo, mas à função do cirurgião que promovia sangrias para estancar infecções.

Para realizar esse tipo de cirurgia precisou pedir autorização, não pelo fato de não exercer a medicina, mas porque naquele tempo era proibido ao clero tocar em sangue que não fosse aquele consagrado nas missas com água e vinho.

Consultado a respeito,  santo Ignácio de Loyola, fundador da Ordem dos Jesuítas, ainda vivo, permitiu dizendo: “A caridade se estende a tudo”.

Ignácio de Loyola era um militar que viajou pelo mundo antes de se converter, disso a inspiração jesuítica

Para realizar as sangrias Anchieta fez de improviso um canivete, antes utilizado para afiar penas de escrita”.

Com os nativos aprendeu a receita de um óleo extraído de amêndoas que amenizava as dores nos pés provocadas por insetos que penetravam nas unhas dos desbravadores das novas terras e pareciam corroer a carne.

Em Piratininga também precisou fazer partos, exumação de cadáveres e dar assistência aos idosos, crianças, moribundos e loucos.

Quem tratava dos portugueses vítimas de flechadas era ele, além de preparar os curativos dos feridos por golpes de tacape.

Chegou mesmo a desvanecer do suicídio, como relatou, pessoas cansadas de suas doenças tamanhos eram os sofrimentos considerados sem cura naqueles tempos onde quase não havia remédios.




No Rio de Janeiro o fundador de Piratininga conviveu com Estácio de Sá, a quem assistiu em seus últimos momentos após a letal flechada no olho que o levou à morte, após dias de sofrimento.

Alguns estudiosos atribuem ao jesuíta, a criação da Santa Casa do Rio de Janeiro, construída às pressas para atender enfermos desembarcados de uma esquadra espanhola.

Uma rota turística localizada na cidade de Itanhaém, percorre diferentes pontos turísticos da cidade por onde o padre Anchieta teria passado.

Um dos pontos turísticos de Itanhaém é a Cama de Anchieta, mas ninguém assegura que de fato ele tenha dormido lá


Apesar de sua disposição para caminhar, o apelido Abarebebê, dado pelos índios, ficou para o padre Leonardo Nunes outro jesuíta que circulou pelo litoral paulista.

Esta palavra em tupi significa “padre voador” pela velocidade com que ele caminhava pelo meio do mato.

Teria sido o padre Leonardo Nunes meu antepassado e dele nascido a inspiração para ser repórter aéreo? Sei lá.


Pintura de Benedito Calixto mostra um Anchieta já idoso caminhando na selva sem medo dos animais

Fontes: Vida do Venerável Padre Anchieta - Simão de Vasconcelos e Anchieta - Jorge de Lima.
Referências: Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo - Prof. Hernâni Donato

Um comentário:

  1. Caro Amigo Geraldo Nunes: esse seu texto me leva a pensar a respeito do nosso futuro. E no passado, também. Fico a imaginar como foi que Agostinho, o Santo, se tornou tão famoso e respeito como é nos nossos dias. E Anchieta? Já fiz esse tipo de pergunta a muitos e ninguém me ajudou a entender.
    Abraços.

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