terça-feira, 21 de abril de 2020

Tiradentes: Este sim é o MITO e mais ninguém!


Chega de falsos mitos!

Se torna um mito, aquela pessoa enigmática de feitos tão notáveis que chega a deixar dúvidas se de fato existiu, e se tudo aquilo que falam dela é realmente verdadeiro.

Tiradentes, portanto, é um mito? 

Ainda pairam sobre ele indagações e os profissionais da história seguem pesquisando sua vida para novas conclusões.

Esta é a capa do mais novo livro sobre Tiradentes onde ele aparece em um quadro guardado pela autora em sua residência
A aspiração dos inconfidentes era somente tornar Minas Gerais livre do crivo português?

Possivelmente sim, porque no século 18 ainda não se tinha a dimensão exata do tamanho do território brasileiro.

Os primeiros historiadores a pesquisar Tiradentes fizeram dele não apenas o mito, mas quase um santo à imagem e semelhança de Jesus Cristo.

A figura do herói passou então a ser homenageada de Mártir da Independência.

Seu prestígio fez dele patrono de inúmeras profissões como a dos policiais civis, dos policiais militares e obviamente, dos dentistas.

O apelido de Joaquim José da Silva Xavier veio do fato dele exercer a função de alferes, uma espécie de prático em odontologia.

Sua morte pela forca, em 21 de abril de 1792, é a única data de falecimento lembrada no Brasil com um feriado nacional.

Outros acontecimentos fizeram enaltecer ainda mais o histórico acontecimento.

Brasília, capital da República, foi inaugurada em um feriado de 21 de abril, no ano de 1960 e o passamento de Tancredo Neves se deu nessa mesma data, em 1985.

Tiradentes ante o carrasco, de Rafael Falco em 1941, original se encontra na sede do Congresso Nacional, em Brasília
Tiradentes nasceu nas proximidades de São João Del Rey, em 1746.

O livro Tiradentes, Nem Patriota, Nem Frade, publicado pela Hucitec, se encontra em catálogo nas livrarias.

A obra é resultado da dissertação de mestrado da historiadora Mariana de Carvalho Dolci, entregue à Pontifícia Universidade de São Paulo (PUC-SP).

Na conclusão ela afirma: “ Joaquim José da Silva Xavier necessita de justiça ainda que tardia”.

O trabalho buscou também corrigir a associação errônea que se faz da Inconfidência Mineira, do século 18, com a Independência do Brasil proclamada em 1822.

“Até a Proclamação da República ninguém havia falado ao povo sobre a Inconfidência Mineira”, explica Mariana Dolci.

Nas primeiras páginas ela esclarece que a partir de 1889, com a instauração do regime republicano, se buscou na História do Brasil acontecimentos que não enaltecessem a monarquia.

O Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro procurou então nos arquivos de Portugal e do Brasil os documentos relativos à “Devassa”, nome dado ao inquérito que julgou os inconfidentes.

Neles, o nome de Joaquim José da Silva Xavier, aparece como único a não ter a pena de morte comutada pela rainha de Portugal.

Todos os demais obtiveram a clemência de dona Maria I, oferecendo a eles o degredo nas colônias portuguesas da África.

Após ser enforcado, o alferes Silva Xavier teve o corpo esquartejado em quatro partes e seus pedaços expostos nas vias públicas.

O terreno da casa onde morou, em Vila Rica, foi salgado para que dali nada nascesse. 

Os bens de sua família foram expropriados por várias gerações.

Tão trágica barbárie acabou por oferecer ao condenado o tom comovente dos martirizados injustamente.

Tiradentes esquartejado, pintura de Pedro Américo em 1893

O ano de 1780 é marcante na história de Minas Gerais, por se avolumar as denúncias que muitas das pedras preciosas destinadas a Portugal estavam “desaparecendo” pelo caminho.

O contrabando foi crescendo cada vez mais, a ponto de se zombar abertamente das autoridades pela total inoperância e impunidade.

Joaquim José da Silva Xavier era nessa época tenente-alferes da cavalaria que fazia a escolta do ouro a ser embarcado no Rio de Janeiro em navios para Lisboa, os Dragões de Minas.

Sabedor das falcatruas que aconteciam antes das pedras chegarem ao destacamento, o militar apelidado Tiradentes comentava nos lugares que frequentava a parcialidade dos governantes em relação ao escambo.

Tais declarações feitas em bordéis e nas taberna chegaram ao conhecimento público através de relatos.

Suas palavras não incomodavam as autoridades constituídas porque vinham de um oficial de baixa patente.

Como não havia meios para punir os contrabandistas, a Real Fazenda - nome do fisco português - decidiu sobretaxar os impostos destinados à população.

O tributo denominado derrama consistia na entrega de 100 arrobas de ouro e diamantes pessoalmente aos fiscais, ou seja, 1.500 quilos de pedras preciosas deveriam ser entregues e se a quantidade não fosse alcançada, se calcularia igual valor a ser pago em dinheiro.

O governo português estipulou como data para a entrega da derrama, o mês de fevereiro, em 1789.

O anúncio aconteceu no decorrer de 1788, ocasionando revolta e uma série de reuniões entre os mais destacados moradores de Vila Rica.

Se posta em prática a medida significaria a total ruína dos mineiros.

Os mais atingidos seriam os proprietários das terras onde aconteciam as extrações das pedras preciosas.

Alvarenga Peixoto era um deles, assim como seu advogado e amigo particular Cláudio Manuel da Costa, também dono de propriedades.

Além desses dois, Tomás Antônio Gonzaga, elogiado poeta, desembargador e ouvidor de Vila Rica se integrou ao grupo.

As reuniões tinham por objetivo encontrar saídas para impedir a Real Fazenda de concretizar a cobrança do imposto considerado escorchante.

Decidiu-se pela proclamação da República em Minas Gerais e a essas assembleias disfarçadas em saraus literários, a "Devassa" deu o nome de Inconfidência Mineira.

Das reuniões participavam também figuras representativas da comunidade local, como o padre José da Silva de Oliveira Rolim.

Filho do principal tesoureiro de diamantes da região e notório fraudador do fisco, o padre burlava contas com a ajuda do contratante de dízimos Domingos de Abreu Vieira.

Este era protetor da filha de Tiradentes, nascida de uma relação do alfares com uma mulher com a qual não quis se casar.

Joaquim Silvério dos Reis, também participava das reuniões, tendo sido ele o grande delator dos planos, mas não o único.

Silvério dos Reis fez chegar a Luiz Antônio Furtado de Mendonça, o Visconde de Barbacena - governador da província - as informações da trama em troca do perdão de suas dívidas junto à Coroa.

Ainda assim perdeu bens por causa do levante, mas obteve de volta uma fazenda que herdara do pai.

O alferes Silva Xavier participava das assembleias, mas em nenhum momento - apontam as atas - apareceu entre os líderes.

O desenho da bandeira de Minas Gerais com triângulo vermelho em homenagem à Santíssima Trindade, entretanto, é dele.

A inscrição dos versos em latim “Libertas Quae Sera Tamen” – Liberdade Ainda que Tardia, do poeta romano Virgílio, foi ideia de Alvarenga Peixoto.

A bandeira sugerida por Tiradentes não foi a única sugerida por ele, mas o desenho escolhido foi este

Outro trecho do livro da historiadora Mariana Dolci destaca que o alferes ficou encarregado de passar as ideias da conspiração ao povo de maneira reservada.

Por ser menos conhecido que os outros e por oferecer serviços dentários teria assim o pretexto de visitar as residências e expor os ideais de independência.

Ficou acertado que no dia marcado para a derrama, quando os representantes do fisco passassem de porta em porta arrecadar os valores, Tiradentes sairia às ruas conclamando o povo para um protesto.

Assim que os Dragões de Minas fossem chamados para abafar a agitação, o comandante da tropa, Freire de Andrade, se atrasaria.

Isso daria tempo para que o alferes se dirigisse à residência do governador e o prendesse.

A hipótese de morte ao governador com sua cabeça levada ao comandante dos Dragões de Minas também foi levantada, mas não ficou bem certo o que de fato seria feito.

Em seguida seria proclamada a República e lida uma declaração de Independência de Minas Gerais em relação a Portugal.

Logo após, se buscaria a adesão do Rio de Janeiro e de São Paulo para a formação de um Estado único e independente.

Empolgado, o alferes deu início à missão de informar o povo sobre as intenções do movimento.

Ocorre que passou a falar não apenas dentro das casas, mas também nas tabernas e nos bordéis que frequentava assiduamente.

Chegou a ser advertido para ser menos veemente em suas palavras, mas entorpecido pelo entusiasmo manteve-se falante, fazendo com que alguns até se afastassem dele.

Não se sabe ao certo como era o rosto de Tiradentes, a figura que mais se aproxima é essa: J. Washt Roddrigues/1940
Estrategicamente, a data da derrama foi adiada pelo governo e alguns inconfidentes começaram a aplacar seus ardores.

Tiradentes seguiu irredutível viajando ao Rio de Janeiro para levar adiante as propostas, mas ao chegar acabou preso.

Sucessivamente outros 11 envolvidos foram encarcerados e conduzidos de Vila Rica para o Rio de Janeiro.

Todos negaram participação e assim também fez de início o alferes Joaquim José da Silva Xavier.

O processo durou três anos e após inúmeros interrogatórios, torturas e acareações, Tiradentes abarcou para si toda a culpa, dizendo ter comandado o movimento.

Não se sabe ao certo porque fez isso, mas tal atitude fez dele  o grande herói venerado pelos historiadores que primeiro levantaram os autos.

Seu enforcamento aconteceu no Largo da Lampadosa, no Rio de Janeiro, hoje Praça Tiradentes.

Na pintura de Oscar Pereira da Silva/1940, Tiradentes é visto com a corda que iria enforcá-lo
O que fiz foi um breve resumo do livro de Mariana de Carvalho Dolci que possui mais de 200 páginas, é rico em ilustrações e traz farta documentação.

Quem fizer a leitura de maneira minuciosa não irá se arrepender.

A definição de Mariana de Carvalho Dolci é que, “ainda há muito mais para se estudar sobre Tiradentes”.

Quanto ao nosso ponto de vista. Tiradentes é mesmo o MITO!

E mais ninguém.



2 comentários:

  1. Amigo Geraldo Nunes II
    Joaquim José da Silva Xavier foi uma das mais controversas personagens que estudei na minha graduação (Licenciatura) em História, na FMU/Liberdade/SP, entre 2013 e 2015.

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