quarta-feira, 2 de março de 2022

Depois do carnaval vem a quaresma com suas crenças, crendices e chatices

Os cristãos chamam de quaresma o período de 40 dias que vai da quarta-feira de cinzas até o domingo de páscoa.

Essa palavra vem do latim e traduzida em sua forma literal significa, “quadragésima”.

Temos ouvido muito no Brasil a palavra quarentena, por causa da pandemia, que não significa necessariamente 40 dias de isolamento para a covid-19.

Antigamente, quando se suspeitava da existência de alguma doença entre passageiros ou tripulantes de um navio, esse ficava retido 40 dias ao largo do porto, sem atracar.

Diz a religião que todos os pecados praticados, inclusive durante o carnaval, podem ser compensados na quaresma, se houver algum tipo de sacrifício, também chamado de mortificação.

Existem pessoas que ainda guardam o costume de não comer carne nas sextas-feiras durante a quaresma.

No passado as tradições eram mais rígidas e algumas, é bem verdade, exageradas, a ponto de se tornarem chatas.

Se alguém lembrasse de uma música de sucesso no carnaval e saísse cantarolando nas ruas ou mesmo dentro de casa, durante a quaresma, cometia pecado.


Em algumas residências se ralhava com alguém que ficasse se admirando diante do espelho nesse período.

As moças que usavam maquiagem ou perfumes em demasia eram chamadas à atenção, por serem sinais de vaidade.

Namorar, dançar, assobiar, ou demonstrar alegria na quinta ou sexta-feira da paixão, se constituía em falta de respeito a Jesus por ele ter passado esses dois dias em profundo sofrimento.


Algumas crendices sobrevivem: Em Joanópolis, cidade do interior paulista, alguns moradores ainda dizem que uma mula sem cabeça ronda a cidade durante a quaresma.

Em Piracaia, na mesma região, senhoras que moram lá me disseram terem visto lobisomens que sempre aparecem às sexta-feiras perto da meia-noite.

Mesmo em São José dos Campos, cidade industrializada e populosa, um grupo de pessoas conhecido como “Louvadores de Almas”, mantém a tradição religiosa de bater de casa em casa durante a quaresma para rezar com as famílias.

Em Petrolina, estado de Pernambuco, ainda ocorre algo horripilante: Pessoas que se sentem pecadoras, praticam durante a quaresma o autoflagelo, ou seja, ficam se batendo com um chicotinho.


Todos os anos, durante a primeira hora da quinta-feira da paixão, alguns séculos de história percorrem as ruas da cidade de Goiás, antiga capital do estado, onde nasceu a poetisa Cora Coralina.

Pessoas vestidas de branco, encapuzadas, saem carregando tochas até a igreja de Nossa Senhora da Boa Morte onde uma multidão as aguarda.

Este ritual conhecido como Fogaréu de Goiás, traz consigo uma tradição ibérica do século 17.

Não tem nada a ver, mas a roupagem é assustadora, faz lembrar a Ku Klux Klan, organização de extrema-direita dos Estados Unidos que defende a supremacia branca e pratica uma espécie daquilo que pode ser chamado de nacionalismo exacerbado.

A tradição seguida pelos goianos, é meramente cristã e chegou ao Brasil inspirada nas procissões realizadas em Lisboa, Sevilha e Toledo, todas quintas-feiras santas, mas durante o dia, antes da cerimônia do lava-pés.

Tal procissão na cidade de Goiás, começou em 1745, trazida pelo padre português Perestrello Espíndola.


Essas proibições durante a quaresma de passado recente do século 20, se constituíam em tremendas chatices como, por exemplo, deixar de ligar aparelhos de rádio ou televisão na sexta-feira santa.

O respeito era tamanho que até emissoras nessas datas religiosas, costumavam mudar sua programação para levar ao ar o dia todo, programas religiosos com músicas sacras ou clássicas.

Todos esses sacrifícios terminavam no sábado de aleluia, dia da malhação de Judas, brincadeira considerada ofensiva e de mau gosto.

O mais importante é que depois quaresma, vem a Páscoa! Graças a Deus!



Obs: Valéria Rambaldi - jornalista colaborou na pesquisa

Um comentário:

  1. Eram outros tempos, radicais até, mas ainda se preservavam algumas tradições religiosas que se perderam. Antigamente havia o temor, agora só temos valores invertidos. Fomos de um extremo ao outro. Hoje, creio que o que falta é fé em Deus e respeito ao próximo.

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