segunda-feira, 27 de setembro de 2021

Transmissão da final do futebol feminino fez lembrar o pioneirismo da Rádio Mulher

A Rede Bandeirantes de televisão criou uma equipe esportiva 100% feminina que transmitiu todo o Campeonato Brasileiro de Futebol Feminino 2021.

Na finalíssima disputada neste domingo, 26 de setembro, o Corinthians sagrou-se campeão ao vencer o Palmeiras por 3x1.

O trabalho de cobertura foi um sucesso, a emissora alcançou 8 pontos de audiência, marca recorde para a Rede Bandeirantes aos domingos.

Acompanhei a partida do começo ao fim com a narração de Isabelly Morais e os comentários de Millene Domingues e Alline Callandrini. Gostei do que assisti.

Foi uma transmissão vibrante feita por profissionais que verdadeiramente entendem de futebol feminino.

A cobertura me fez lembrar a proposta também inovadora levada adiante pela Rádio Mulher que em 1971 colocou nos estádios uma equipe esportiva feminina para transmitir jogos de futebol.

A Rádio Mulher, inaugurada em 1970, recebeu do então Departamento Nacional de Telecomunicações – Dentel, a frequência 730 AM – São Paulo.


Sua programação era toda dirigida ao público feminino e somente mulheres ocupavam os microfones.

A emissora contratou profissionais top de linha como Hebe Camargo que fazia um programa similar ao que tinha na TV.

Naquele tempo ainda se ouvia radionovelas e a Rádio Mulher também se esmerou nessa modalidade hoje extinta nos veículos radiofônicos.

Durante os dias úteis às 10 da noite era transmitido o programa "Saudade, teu nome é mulher" onde a apresentadora lia poesias e cartas de amor, seguidas de uma música romântica para enternecer os corações apaixonados.

A estreia da Rádio Mulher no futebol aconteceu em 2 de julho de 1971 e contou com a audiência deste blogueiro de apenas 13 anos de idade, movido pela curiosidade de como seria o futebol explicado na voz de uma mulher.

Esta narradora se chamava Zuleide Ranieri ela transmitia das cabines de rádios dos estádios junto com as comentaristas Jurema Iara e Leila Silveira.

Nas reportagens de campo trabalhavam Claudete Troiano, Germana Garilli, entre outras.


No estúdio Branca Amaral fazia o plantão esportivo com o apoio de Lilian Loy, Siomara Nagi e Terezinha Ribeiro.

Nas transmissões elas diziam: "A cada mulher a mais no estádio, um palavrão a menos".

Naquele tempo ainda não se falava em futebol feminino no Brasil e as pioneiras da Rádio Mulher tiveram de enfrentar o pouco caso dos colegas homens das outras emissoras que na época as subestimavam.  

Para não perder a notícia, Regiani Ritter, outro exemplo do pioneirismo feminino na cobertura esportiva, teve que se sujeitar a entrar nos vestiários para entrevistar os jogadores com a cara e a coragem nos seus tempos de microfone pela Rádio Gazeta.

Conversei recentemente com o jornalista Thomaz Molina que nos dias atuais trabalha na Revista Veja.

Em 2004 ele apresentou ao lado dos colegas de sala de aula, Thiago Barbieri e Felipe Abreu, um áudio documentário para o Trabalho de Conclusão de Curso – TCC na Universidade Mackenzie, cujo tema foi a cobertura esportiva da Rádio Mulher.

Nesta foto os ainda jovens estudantes de jornalismo aparecem ao lado da narradora Zuleide Ranieri, mais à esquerda e Germana Garilli, à direita.

Elas explicaram que com os jogadores dentro do campo não havia problemas na hora das entrevistas, mas os colegas homens não gostavam de ter que dividir com elas o espaço para as perguntas e em nada facilitavam o trabalho delas. Coisas da época.


Um dos motivos para a dissolução da equipe, em 1975, foi justamente este; o preconceito que ajudava afugentar possíveis anunciantes.

Ainda assim, a Rádio Mulher localizada na Rua Granja Julieta, entre o Brooklin e Santo Amaro, chegou a ter 136 funcionários, sendo 132 mulheres em vários setores, desde a produção e apresentação, até a parte burocrática e direção geral.

Outra mudança que atrapalhou os planos da equipe esportiva foi a reformulação do dial em São Paulo.

Em 1974, a posição da Rádio Mulher foi transferida pelo Dentel, dos 730 kHz para a frequência 1260 AM e houve queda vertiginosa de audiência.


Hoje a emissora se chama Rádio Morada do Sol, pertence a um grupo empresarial com sede em Araraquara e sua programação é de cunho popular.

A Rádio Mulher foi um projeto talvez avançado demais para a sua época.

Zuleide Ranieri Dias, a primeira mulher narradora de futebol, morreu em 14 de outubro de 2016, em São Paulo, vítima de um infarto agudo, aos 71 anos.

Em mais esta foto Zuleide aparece no gramado do Pacaembu cumprimentando o então árbitro de futebol, Oscar Scolfaro, falecido em 2017.

Acredito que hoje uma emissora alicerçada pelas mídias digitais com essa mesma proposta levantada pela Rádio Mulher, 50 anos atrás, alcançaria sucesso, desta vez com ainda mais brilhantismo e menos preconceito.

3 comentários:

  1. Mais um resgate, literalmente, memorável de nossa história! Palmas!

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  2. Parabéns, Amigo Geraldo Nunes, por mais esta importante lembrança. Infelizmente, não cheguei a conviver com as profissionais do rádio nos muitos anos em que trabalhei para o nosso Estadão em estádios como o Morumbi, o antigo Parque Antartica, o da Rua Javari na Mooca, o do Nacional na Rua Comendador Souza, entre outros. Mas me lembro bem dela. Até porque na Redação da Rua Major Quedinho acompanhei muitos jogos pelo rádio.

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  3. Geraldo, uma pequena e amável correção. A Regiani Ritter não chegou a trabalhar na Rádio Mulher. Ela atuou bem depois, nos anos 1980, pela Rádio Gazeta. A Zuleide e a Claudete, em dado momento, chegaram a revezar nas narrações. A Zuleide ia na escola do Fiori e a Clau inspirou-se no Osmar Santos

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