domingo, 28 de março de 2021

Nesta semana santa entenda as diferenças entre o grupo de Antônio Conselheiro e os primeiros cristãos

Como diz a Bíblia, "os primeiros cristãos partilhavam entre si tudo o que possuíam para que ninguém passasse necessidade", a frase está no livro Atos dos Apóstolos (At. 2: 42-47).

No sertão da Bahia pelo final do século 19, Antônio Conselheiro, um fanático religioso ao qual o povo chamava de beato, criou uma comunidade que também partilhava tudo o que produzia e, da mesma forma como a dos cristão primitivos, foi perseguida e condenada pelo Estado.

A diferença é que os antigos cristãos da Bíblia aceitavam a morte pacificamente pela certeza da vida eterna.

Nas terras do Conselheiro, entretanto, as pendências eram resolvidas na bala e por tal motivo aconteceu a Guerra dos Canudos, entre 1896 e 1897.

Talvez nem todos saibam ainda, mas Antônio Conselheiro é considerado agora um herói da pátria. Tal decisão partiu de uma iniciativa da deputada federal Luizianne Lins (PT-CE) aprovada pelo Congresso Nacional, em 2019.

O projeto foi sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro nos termos da lei n° 13.829, publicada no Diário Oficial da União, do dia 14 de maio daquele ano.

A Guerra dos Canudos levantou para o País o problema da seca no Nordeste, até então um assunto que não fazia parte das preocupações da mídia e dos políticos de um modo geral.

Euclides da Cunha se deslocou para o interior da Bahia como contratado do jornal O Estado de S. Paulo, para cobrir a guerra que de acordo com o que se sabia, era liderada por um fanático religioso contrário aos ideais republicanos.

Um contingente do exército brasileiro, destacado para destruir o vilarejo de nome Belo Monte, localizado nas terras pertencentes ao município de Canudos, foi rechaçado com violência por um grupo armado e uma nova tropa estava sendo montada para desta vez dizimar aqueles que insistiam em não se submeter às ordens do Estado.


Ao desembarcar em Salvador, Euclides não pode seguir direto para a área do conflito, permaneceu retido alguns dias pelo exército até obter a autorização. 

Na capital da Bahia ele escreveu sua primeira reportagem relatando a volta dos soldados sobreviventes de Canudos aos quais descreveu como “trôpegos e alquebrados”.

Ele ainda não havia se dado conta da real situação em que vivia o povo sertanejo daquela época e menos que seu trabalho trabalho resultaria em clássico da literatura brasileira, cujo título é “Os Sertões”, publicado no ano de 1902. 

A Guerra de Canudos teve um final trágico, além de Antônio Conselheiro morreram cerca de 25 mil sertanejos da comunidade de Belo Monte, fundada pelo líder religioso. 

Nesta mesma batalha, cerca de 15 mil soldados do exército brasileiro retornaram feridos ou mortos.


Em sua cobertura Euclides da Cunha expediu 55 telegramas e 22 cartas para o jornal. Sua chegada se deu em 10 de setembro de 1897 e a saída em 3 de outubro, dois dias antes do término do conflito, pois estava passando mal com permanentes acessos de febre, devido à péssima qualidade da água que ingeria.

Adoentado, passou a enviar cartas com intervalos cada vez maiores com as análises da situação. Seus telegramas, estes sim, eram quase diários e neles o jornalista transmitia as notícias pontuais sobre os acontecimentos.

Euclides foi escolhido para aquela cobertura, por ser um militar reformado com treinamento para enfrentar dificuldades e mesmo assim passou mal. Pouco antes, o correspondente do Estadão observou no trajeto para Canudos, a presença de inúmeros corpos humanos putrefatos à beira da estrada.

Aos poucos foi percebendo que aquilo nada tinha a ver com a batalha e que as pessoas mortas eram na verdade retirantes da seca que fugiam a pé em busca de algum auxílio, mas sucumbiam vitimadas pela sede e cansaço.

Nada havia naqueles lugares, nenhum meio de transporte e nem mesmo animais de carga, pois estes também morriam de sede e um cenário caótico de miséria e desespero sem nenhum tipo de assistência.


O nome completo do beato é, Antônio Vicente Mendes Maciel, nascido no dia 13 de março de 1830, em Quixeramobim, então um pequeno povoado perdido em meio à caatinga do sertão no Ceará.

Seus pais queriam que ele seguisse a carreira sacerdotal, entrar para o clero naquela época era uma das poucas possibilidades que os pobres tinham para ascender socialmente.

Com a morte de sua mãe, a meta de se tornar padre não se concretizou. Seu pai modificou os projetos de vida ao se casar novamente e a madrasta, não se afeiçoou ao menino e passou a maltratá-lo.

Aos 17 anos, Antônio decidiu se casar com uma prima, Brasilina Laurentina de Lima, mas logo após o casamento a encontrou dentro de sua casa em traição conjugal com um sargento da polícia. Humilhado e para não ser vítima de comentários desapareceu do lugar onde morava e passou a peregrinar pelos sertões do nordeste.

O ano de 1877, considerado o da Grande Seca Nordestina do século 19, promoveu o surgimento de inúmeras levas de flagelados famintos que ao abandonarem suas lavouras passavam a caminhar em grupos por todas as regiões do agreste à espera de algum tipo de ajuda ou de uma graça divina.

Os que encontravam Antônio Vicente, já transformado em pregador religioso, passavam a segui-lo fazendo dele o conselheiro espiritual, passando a tratá-lo como se fosse Jesus Cristo ou alguma espécie de santo.

Anos depois, cansado de peregrinar, o líder decidiu se fixar à margem de um rio próximo à cidade de Canudos, criando ali um arraial ao qual batizou de Belo Monte, por estar em um vale cercado de colinas.


Todos que o seguiam passam a viver sob seus preceitos inspirados unicamente na lei de Deus. Passam assim a repartir entre eles, como nos Atos dos Apóstolos, e sem a presença do Estado ou de qualquer outro tipo de autoridade ou governo. 

Pode ter sido a primeira experiência anarquista da história, se bem que essas teorias não faziam parte do cotidiano daquele povo interessado apenas em sobreviver.

Diferente também dos textos bíblicos,  onde a partilha dos bens se dava em uma clima de paz, os seguidores do Conselheiro se municiaram de armas para defender a comunidade da interferência de fazendeiros, policiais e do exército.

O centro das decisões brasileiras se dava no Rio de Janeiro, o restante do país era alheio ao que acontecia no nordeste. A proclamação da República ou o fim da Monarquia, pouco interessava aos moradores de Belo Monte que lutavam unicamente pela sobrevivência.

Mas entre os militares havia a informação que aqueles sertanejos não respeitavam as autoridades por não concordarem com o novo sistema de governo implantado em 15 de novembro de 1889. O que se dizia era que os comandados de Antônio Conselheiro defendiam a volta da monarquia.

Os habitantes do arraial enfrentaram duas pequenas expedições do exército enviadas para combatê-los, entre outubro de 1896 e janeiro de 1897 e nas duas se saíram vitoriosos.

A terceira expedição aconteceu em março do mesmo ano e seu comandante era um militar conhecido pela dureza de suas decisões e que recebeu a alcunha de Corta-Cabeças, após eliminar desta maneira um grupo de revoltosos anos antes no sul do País.


O coronel Moreira César chegou à Bahia com 1300 homens armados e disse que entraria em Canudos para resolver tudo com facilidade. Aos jornalistas de Salvador chegou a dizer: “Vamos almoçar lá!”.

Ao subestimar o inimigo, Moreira César partiu sem a devida preocupação e os sertanejos que o esperavam no caminho, liquidaram o Corta-Cabeças bem antes da hora do almoço.

Surpreendido com mais essa afronta, o comando do exército decidiu organizar a quarta e definitiva expedição militar para acabar com Belo Monte em um cerco desta vez implacável. Eliminar o arraial de Canudos e seus habitantes passou a ser uma questão de honra.

A batalha definitiva aconteceu no dia 5 de abril de 1897. Os soldados chegaram ao vilarejo em grande número e entraram atirando em tudo o que viam pela frente, matando inclusive mulheres e crianças.

Euclides da Cunha que havia chegado para fazer unicamente a cobertura da guerra, ao deparar com a tragédia social existente, escreveu também a série de reportagens que se transformaria em sua obra magistral cuja descrição passou a ser resumida em uma frase histórica: “O sertanejo é antes de tudo um forte”.



Não se sabe ao certo qual foi a real causa da morte de Antônio Conselheiro. Existem duas versões, uma delas diz respeito a ferimentos causados por uma granada e outra diz que ele já andava adoentado e a causa de sua morte teria sido uma forte “caminheira”, mais conhecida como disenteria.

O corpo do Conselheiro foi sepultado no Santuário de Canudos, mas logo depois sua cabeça foi cortada e levada para a Faculdade de Medicina de Salvador.

Lá, o doutor Nina Rodrigues, médico renomado, faria estudos para descobrir se a demência e o fanatismo poderiam ser diagnosticados por traços do rosto ou do crânio, conforme defendiam cientistas da época.

Um incêndio no prédio da antiga Faculdade de Medicina de Salvador, em 1905, fez perder para sempre o crânio de Antônio Conselheiro e todos os estudos deixados pelo legista a seu respeito.

Para a deputada Luizianne Lins, a justificativa de transformá-lo em herói nacional, "se deu pelo fato dele servir de exemplo ao enfrentamento das desigualdades sociais que ainda ocorrem no Brasil de hoje."

O chamado Livro de Aço que registra o nome e a biografia dos heróis e heroínas da história do Brasil, está no Panteão dos Heróis da Pátria e Liberdade Tancredo Neves, na Praça dos Três Poderes, em Brasília.

Nele agora está o nome de Antônio Vicente Mendes Maciel (1830-1897), o Antônio Conselheiro, também um motivo para reflexões nesta semana santa.


Fontes:
Agência Câmara de Notícias, Infográficos Estadão – Euclides capítulo 1 – Wikipedia

https://www.opovo.com.br/noticias/brasil/2019/05/14/jair-bolsonaro-transforma-antonio-conselheiro-em-heroi-do-brasil.html

https://www.agenciabrasilia.df.gov.br/2018/12/12/mais-21-herois-e-heroinas-sao-inscritos-no-livro-de-aco-no-panteao-da-patria/

http://infograficos.estadao.com.br/especiais/euclides/capitulo-1.php

http://www.saopaulo.sp.leg.br/apartes/nomes-de-guerra/

https://michelsonborges.wordpress.com/2018/10/02/atos-242-47-defende-o-socialismo/

 


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