segunda-feira, 18 de novembro de 2019

A escritora Lygia Fagundes Telles e a lenda das estátuas trocadas


A Faculdade de Direito do Largo São Francisco traz em suas tradições, fatos pitorescos como o caso da estátua de rostos trocados, sendo que a escritora Lygia Fagundes Telles foi quem levantou a polêmica sobre uma confusão, ao que tudo indica de alunos, levando à troca do nome da estátua do poeta Álvares de Azevedo, agora colocada em frente ao prédio da faculdade cujo rosto na verdade é do poeta Fagundes Varella.

Tudo começou no início do século 20, quando um grupo de estudantes da velha e sempre nova academia, decidiu homenagear os três grandes poetas que passaram pela faculdade durante o século 19: Álvares de Azevedo, Castro Alves e Fagundes Varella. Ficou decidido que para os três seriam esculpidas estátuas em louvor pela passagem destes pela escola de Direito.

Campanhas para angariar fundos foram levadas adiante na tentativa de bancar a iniciativa havendo até uma palestra sobre Castro Alves, proferida pelo escritor e ilustre jornalista Euclides da Cunha. 

O dinheiro arrecadado, entretanto, só foi suficiente para custear um busto e ficou decidido que a homenagem seria feita por ordem alfabética cabendo a primeira honraria ao poeta Álvares de Azevedo. 

Seu busto foi esculpido em 1906. Já pronto, a faculdade decidiu doá-lo ao município, cabendo à prefeitura escolher o lugar onde seria colocado e o ponto determinado foi a Praça da República.

O tempo passou e no final da década de 1930, a escritora Lygia Fagundes, então jovem estudante do Colégio Caetano de Campos, costumava se entreter lendo poesias nos bancos da praça em frente à escola. 

“Então percebi na estátua que o rosto do Álvares de Azevedo era, na verdade, o do Fagundes Varela. Coisas do Brasil, trocaram as cabeças...”, explicou Lygia em uma entrevista ao nosso colega, repórter Edison Veiga, publicada no jornal O Estado de S. Paulo, em abril de 2009.

“Depois, estudando no Largo São Francisco, espalhei minha suspeita que acabou se tornando mais uma lenda incorporada à instituição", contou a escritora, Até hoje, entretanto, a consagrada imortal pela na Academia Brasileira de Letras, cobra a colocação da “cabeça certa”, porque para ela, não havia semelhanças físicas Álvares de Azevedo e Fagundes Varella.

A escritora Lygia Fagundes Telles
De fato, quem olhar a estátua do poeta Álvares de Azevedo e depois ver sua foto poderá achar que se trata mesmo de outra pessoa.

Esta é a estátua do poeta Álvares de Azevedo colocada em frente ao prédio da Faculdade de Direito

Este é o rosto fotografado do poeta Álvares de Azevedo

Discussões à parte, ocorreu que em 2006, durante uma das edições da Virada Cultural, integrantes do Centro Acadêmico XI de Agosto tiraram a estátua que então se encontrava na Praça da República e a levaram para o Largo São Francisco como queriam os estudantes do início do século 20.

Em 1909, os alunos da faculdade contrataram um renomado artista plástico, Amadeo Zani, professor da Escola de Belas Artes, para esculpir a estátua. Por sua relevante competência não se acredita que ele esculpido um rosto diferente do que lhe foi apresentado.

Deste modo estima-se que tenha recebido um retrato diferente para esculpir, que tenha sido entregue por engano de algum estudante, ou seja: Amadeo Zani pode ter caído numa “estudantada”, visto que o rosto de estátua de fato se parece mais com o do poeta Fagundes Varella.

Este é o rosto do poeta Fagundes Varella. Aproveite e olhe novamente para a foto da estátua

Ao que tudo indica, Lygia Fagundes Telles tem razão, trocaram mesmo o rosto da estátua do poeta Álvares de Azevedo, mas o assunto segue sendo polêmica entre todos que analisam o caso e ao que parece sem solução.

Sobre a transferência de endereço da estátua, verificada em 2006 à revelia da prefeitura, a Secretaria Municipal da Cultura, apresentou uma versão explicando o busto permaneceu na Praça da República por mais de 40 anos, até que em 1950, depois da forte polêmica levantada acerca da semelhança do retratado com Fagundes Varella, o monumento foi transportado para um depósito da prefeitura e permaneceu guardado por mais de 30 anos.

Em 1984, a Academia Paulista de Letras - APL, da qual Lygia Fagundes Telles também faz parte, mostrou indignação com o fato de terem homenageado Varella com um busto de Azevedo. 

Uma carta-protesto foi apresentada à prefeitura, reivindicando o retorno da estátua à Praça da República quee ali permaneceu até maio de 2006, quando então estudantes fizeram questão de “devolvê-la” ao Largo São Francisco.

Na carta, documentada no Departamento do Patrimônio Histórico - DPH, os membros da APL diziam concordar que o busto de Álvares de Azevedo leva o jeito de Fagundes Varella, mas argumentam que a intenção do XI de Agosto era homenagear o primeiro e, por tal motivo, deram um nome para a estátua que pode não ser verdadeiramente do primeiro a ser homenageado. Ou seja, ficou o dito pelo não dito e o assunto se tornou mais uma das lendas em torno das tradições da Faculdade de Direito.

Após a instalação da estátua no Largo São Francisco, o Centro Acadêmico XI de Agosto chegou a tentar uma nova campanha, cem anos depois, pela conclusão da ideia de se esculpir as estátuas que faltavam, mas de novo faltou dinheiro. 

Oficialmente só há uma estátua, a do poeta Álvares de Azevedo, cujo rosto se parece com o do também poeta Fagundes Varella.

A estátua segue em frente ao prédio da Faculdade de Direito, no Largo São Francisco tendo passado, em 2009, por um processo de restauração para enriquecer o cabedal de histórias envolvendo a cidade de São Paulo e sua tradicional escola de Direito.

Agradecimentos ao repórter Edison Veiga.

Nenhum comentário:

Postar um comentário