segunda-feira, 26 de agosto de 2019

Doria promete despoluir o Rio Pinheiros e leva advertência: “População não tolera mais palavras vazias”


O governador do Estado de São Paulo, João Doria, anunciou um novo pacote de obras buscando a despoluição do Pinheiros sem deixar de tocar adiante o Projeto Tietê iniciado em gestões anteriores. A proposta segue alimentando um sonho que vem de muitas décadas porque já se sabe: Despoluir os rios que cortam a Grande São Paulo é um trabalho difícil e caro aos cofres públicos.

A história da poluição do Rio Pinheiros talvez comece antes até que a do Tietê. Para a construção da Represa Billings, em 1927, foi necessário reverter o curso das águas do Pinheiros que assim passou a correr para trás sendo que as águas do Tietê passaram a ser bombeadas para dentro do canal. Com a poluição deste, o rio antigamente chamado Jurubatuba, também ficou sujo e contagiou a represa criada para movimentar as turbinas que levaram a energia elétrica até a cidade de Santos.

Promulgada em 1997, a Lei Estadual de Proteção dos Mananciais proibiu que as águas do Pinheiros continuassem sendo lançadas na Billings, mesmo assim agora, para pelo menos maquiar o Pinheiros será necessário impedir que os esgotos, lixo e todo tipo de sujeira continuem sendo lançados.

Este projeto apresentado pelo governador João Doria, prevê para o Pinheiros investimentos na ordem de R$ 1,5 bilhão, se dividindo a bacia entre o Cebolão e Interlagos, em 14 áreas para a busca de mais R$ 3 bilhões com investidores estrangeiros, em especial da Inglaterra e da China, onde esteve recentemente buscando parcerias.



O plano é concluir as concorrências até o final do ano. Além disso, a Secretaria da Fazenda e Planejamento, declarou que aguarda um novo Marco Legal do Saneamento para trabalhar na privatização da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo - Sabesp, autora do projeto e considerada uma das mais eficientes empresas nas áreas de água e esgotos do País. Percebem como esse trabalho será difícil?

Pinheiros e Tietê, uma só causa ambiental

A luta para se devolver vida aos rios que circundam a Grande São Paulo não vem de agora, ganhou força quando da Campanha de Despoluição do Rio Tietê, iniciada pela Rádio Eldorado, em 1990, da qual participamos na busca de apoio para um grande abaixo-assinado que obteve numa época em que não havia internet e muito menos redes sociais, cerca de 2,5 milhões de assinaturas. Tal façanha faz parte das glórias de minha carreira, ao longo da campanha preparei inúmeras reportagens sobre o tema, algumas disponíveis em nosso Podcast*.

Em 1990, atuando como repórter aéreo, sobrevoamos de helicóptero ao lado do comandante Edgard Schaffer, a região onde está a nascente do Tietê, em Salesópolis. A história desse rio, é maravilhosa. Ele serviu de rota para as monções e os bandeirantes que ajudaram a desbravar os interiores deste Brasil. Para os ambientalistas, é um rio considerado teimoso, por contrariar a natureza e seguir para o interior, em vez de ir na direção do mar, um caminho mais curto e mais fácil. Segue então, cerca de 1.100 quilômetros recebendo mais de 80 afluentes em todo o Estado. Ainda é possível se nadar nele quando passa por cidades do interior ou mesmo se navegar após a barragem de Barra Bonita. A população de Salesópolis recebe em suas torneiras a água que desponta limpa do Tietê e a própria energia elétrica consumida nesta cidade e na vizinha Biritiba-Mirim, é gerada pelo fluxo perene deste rio em seu início.

Da campanha iniciada pela Rádio Eldorado surgiu o Projeto Tietê, dois anos depois, quando apenas 70% do esgoto residencial da Região Metropolitana de São Paulo passavam por coleta e apenas 17% tratados. Em 2017, outro levantamento apontou no mesmo trecho uma mudança gigantesca: 87% dos esgotos coletados e 66% tratados, embora, de acordo com a Agência Nacional das Águas, ainda 41% dos esgotos da Grande São Paulo continuam seguindo para o Rio Tietê in natura, ou seja, sem nenhum tipo de tratamento, o que é lamentável.

Chamado inicialmente pelos índios de Anhembi, o nome Tietê, surge pela primeira vez em um mapa oficial datado de 1748 cuja tradução da origem tupi para o português significa, “água verdadeira”. Ao longo de sua existência, chegou a oferecer descanso e lazer aos paulistanos, incluindo competições esportivas como a “Travessia de São Paulo a Nado”, prova disputada até 1942 e vencida entre outros pelo nadador João Havelange, atleta que mais tarde se tornaria presidente da FIFA. 

A morte do Tietê na Grande São Paulo foi decretada em definitivo, a partir de 1949, quando no governo Adhemar de Barros se intensifica o lançamento de esgotos residenciais diretamente no rio e se autoriza a implantação de indústrias em suas margens. Tudo em nome do progresso, mas com consequências ao meio ambiente que nem sequer eram imaginadas à época, embora com os efeitos nocivos sendo sentidos em curto prazo. Desde então, começaram a surgir os “remédios milagrosos” trazidos pelos nossos políticos, mas quase todos ineficazes.

As tentativas para despoluir os rios Pinheiros e o Tietê

A primeira iniciativa foi um plano elaborado pela empresa norte-americana Hazen & Sawyer que previa, na década de 1950, uma estação de tratamento às margens da represa Billings, na zona sul de São Paulo, e mais três pequenas estações, algo coerente visto aos olhos de hoje. Tal ação impediria o alto grau de poluição que a represa enfrenta na atualidade e ajudaria também seu principal alimentador, o Rio Pinheiros, só que nada foi feito.

Depois veio o Convênio Hibrace, uma união de três empresas que começaram a colocar em prática outro plano elaborado por uma consultoria americana, chamada Greeley & Hansen, só que o projeto errou feio na previsão do crescimento demográfico. Calcularam em 5 milhões a população da cidade de São Paulo no ano 2000 quando na verdade, a população na virada do século ultrapassaria os 10 milhões. De todo modo esse convênio resultou em duas estações de tratamento primário dos esgotos; Vila Leopoldina e Pinheiros, construídas na década de 1970 e ainda em funcionamento.

“Gênios" queriam canalizar a poluição e jogá-la em uma lagoa

Um projeto ‘genial’ apareceu na década de 1970, com o nome de Solução Integrada. A ideia era canalizar todo o esgoto lançado no Tietê para coletores às margens dos rios para depois jogar tudo em uma enorme lagoa de estabilização a ser construída em um vale próximo da Serra da Cantareira, margeando as zonas norte e oeste da cidade. Seria literalmente uma represa podre, com resultados lastimáveis como doenças, micróbios e insetos de todo tipo. Felizmente não foi adiante.

Outra proposta, ao final desta mesma década, o Projeto Sanegran - Saneamento da Grande São Paulo - este sim, aproveitando a ideia dos coletores ao longo dos rios, propunha no entanto, a construção de três gigantescas estações de tratamento - Suzano, Barueri e ABC. Considerado faraônico pela maioria dos deputados estaduais na época, mas coerente para as necessidades atuais, resultou em uma estação de tratamento em Barueri com capacidade de tratar 60 metros cúbicos de esgoto por segundo.

O Sanegran foi discutido durante a gestão do governador Paulo Egídio Martins, em 1978 e teve sua continuidade discutida durante quase 10 anos, mas amarrado por ações populares na Justiça e pela sempre alegada falta de verbas, não foi adiante. Ao mesmo tempo quantidade de esgotos lançados nos rios metropolitanos foi crescendo cada vez mais.

Implantando em 1992 pelo governo do Estado, o Projeto Tietê segue sendo administrado pela Sabesp e já consumiu mais de R$ 11 bilhões originários dos cofres públicos e de empréstimos do Banco Mundial,  sendo levado adiante nos moldes do que deveria ter sido o Sanegran, só que com anos de atraso e cinco estações de tratamento menores que as três do projeto original dos anos 70 e bem mais modestas.

Em editorial recente, o jornal O Estado de São Paulo lançou um desafio ao governador João Doria, para que seu projeto não caia na demagogia professada pelos antecessores. “O governo atual, contudo, precisará mostrar que aprendeu bem as lições amargas deixadas pelos governantes paulistas nas últimas três décadas. No início dos anos 90, o então governador Luís Antônio Fleury Filho anunciou que até o fim do mandato beberia um copo de água do Tietê. Vinte anos depois, em 2014, Geraldo Alckmin chegou a prometer a despoluição do rio até 2019”.

O Estadão também apontou a falta de integração entre os municípios e pede o empenho dos moradores, que segundo o editorial, “precisam avançar muito em sua consciência ambiental e civilidade, deixando de despejar lixo nas margens dos córregos”.

João Lara Mesquita, idealizador da Campanha pela Despoluição do Rio Tietê, levada adiante pela Rádio Eldorado em 1990, diz esperar que o governador João Doria seja mais prudente e mais empenhado na concretização de suas promessas. “A população paulista não tolera mais palavras vazias sobre seus rios”. Para o ex-diretor executivo da Rádio Eldorado, se aquilo que se promete for cumprido, a população saberá depois como retribuir.




Os rios que atravessam a Grande São Paulo trazem em suas histórias cenas alegres e tristes



Fontes:

Livros: 
Tietê, uma Promessa de Futuro para as Águas do Passado - Vicente Adorno - 1999
Tietê, o Rio do Esporte - Henrique Nicolini - 2001

Revistas:
Super Interessante: O Projeto Tietê e o sonho da despoluição - 31 de maio de 1993
Veja: Como limpar nossos rios? Uma seleção de ideias e planos bem-sucedidos - 14 de setembro de 2018


*https://soundcloud.com/user-458233949




5 comentários:

  1. Luta árdua, ainda no final dos anos 50 era possível ver peixes resistentes na beira do Rio Tietê em sua passagem por SP

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Nivaldo, em uma matéria de arquivo do Estadão, em 1972, escrevem que havia guarus nas beiradas do rio. Achei incrível porque já estava bem poluído.

      Excluir
  2. Geraldo, gostei da matéria, bem que você poderia começar a escrever um novo livro...
    O que você?
    Quanto a promessa do Dória, não acredito, ele fala muito para estar em destaque, mas não faz nada...

    ResponderExcluir
  3. Lembro-me quando do início da campanha e de seu envolvimento

    ResponderExcluir
  4. É realmente uma pena o que fizemos com os nossos rios. Este ê mais um dos grandes problemas políticos que nós temos, não existe continuidade em mandatos. Parabéns pela matéria.

    ResponderExcluir