sábado, 19 de agosto de 2023

Festa da Achiropita em São Paulo surgiu da disputa entre moradores do Bixiga para dar nome à igreja do bairro

O único bairro de São Paulo com apelido é a Bela Vista, conhecido pela alcunha “Bixiga”, que se escreve assim mesmo com “i”.

Há várias explicações para este agnome, as mais conhecidas dizem respeito ao dono de uma hospedaria da região chamado João Bexiga e outra de ser ali o lugar para onde iam as pessoas vítimas da varíola, doença popularmente chamada “bixiga”.

A Bela Vista propriamente dita, surgiu de um loteamento lançado em 1870. Mais adiante, pelo início do século 20, se instalaram no bairro italianos provenientes de Rossano Cálabro - Calábria e Cerignola, na Puglia.


Foram esses italianos que construíram a atual igreja de Nossa Senhora Achiropita, inaugurada em 1926, mas entre eles houve uma disputa porque não se chegava a um acordo para a escolha do nome da padroeira.

Para colocar fim à discussão que levava quase às vias de fato, o bispo diocesano decidiu dar à paróquia o nome de São José, mas os calabreses, conhecidos pelo sangue quente, seguiram insistindo para que se chamasse Nossa Senhora Achiropita.

Os puglieses de Cerignola não aceitavam porque eram devotos de Nossa Senhora da Ripalta e queriam dar este nome à paróquia.

As discussões prosseguiram até 1940 quando o prédio da igreja precisou passar por uma reforma e o empenho do pessoal proveniente de Rossano foi enorme e como prêmio obtiveram a mudança do nome da paróquia que passou a ser o da santa de Achiropita.

Para contentar os puglieses de Cerignola, a cúria mandou colocar na igreja uma imagem de Nossa Senhora da Ripalta, igual a essa da foto acima e que lá está até hoje.

Os imigrantes de Rossano Cálabro aceitaram, mas para não deixar barato, disseram que era de favor a eles.


O pároco mais famoso de Achiropita foi Dom Luigi Orione, que dá nome à praça do bairro onde acontece uma feira de antiguidades aos domingos. Dom Orione, inclusive, foi considerado santo pelo papa João Paulo II, em 2004.

Houve depois dele outro pároco famoso, Dom Carlos Aferano, que deixou a paróquia debaixo de muita polêmica.

Em 1944, quando o Brasil enviou soldados à Itália durante a Segunda Guerra Mundial, Dom Aferano fez um sermão no qual defendeu os países do eixo.

Aos fiéis em voz alta exclamou frases do tipo: “Salve a memória de Mussolini!” e “Viva Hitler”!

Autoridades do clero ficaram sabendo e afastaram o pároco que seguiu para um asilo no Rio de Janeiro e nunca mais se soube nada sobre ele.


Mas foram Dom Orione e depois Dom Aferano que garantiram o costume dos festejos de Nossa Senhora Achiropita, inclusive com a procissão pelas ruas do bairro.

Desses padres surgiu a prática de conclamar as donas de casa na preparação dos pratos servidos na festa, inicialmente só para a população do Bixiga.

Isso originou a tradição das “mamas” ou “matronas”, que são aquelas senhoras que trabalham gratuitamente para ajudar a paróquia durante a festa.

Na Itália atual, os festejos seguem acontecendo porque no mundo só há duas paróquias de Nossa Senhora Achiropita, em Rossano Cálabro e na nossa São Paulo.

Quem me contou essas histórias foi Armando Puglisi, o Armandinho do Bixiga em uma entrevista exclusiva concedida em 1994, meses antes dele morrer.

A origem do culto à Nossa Senhora Achiropita, teve início no ano 580 da era cristã, quando um capitão do mar chamado Maurício, chegou por engano a Rossano Cálabro, então apenas uma aldeia.

Um monge local profetizou que ele havia sido mandado para lá por Nossa Senhora, que se transformaria no imperador daquele vilarejo e lá construiria um templo.

Dois anos depois Maurício, já imperador, seguiu as palavras do monge e mandou erguer um santuário dedicado à Nossa Senhora, mas um fenômeno aconteceu.

A imagem que era pintada em uma das paredes do templo durante o dia desaparecia à noite.

Puseram um vigia para tomar conta e numa daquelas noites, uma senhora com uma criança nos braços pediu para visitar o templo.

O vigia não se opôs por considerá-la inofensiva, depois preocupado porque a mulher demorava a sair foi ver o que acontecia e não mais a encontrou.

Em vez dela viu a imagem de Nossa Senhora pintada na parede, surpreso saiu do lado de fora da igreja e começou a gritar:

“Achiropita!”, Achiropita!”, que significa, “não pintada” pela mão do homem.

O culto à Nossa Senhora Achiropita ganhou devotos em toda a Itália e através dos calabreses de Rossano Cálabro, a santa passou a ser venerada em São Paulo, só que a daqui possui uma imagem esculpida e não desenhada.

A festa de Nossa Senhora Achiropita, em 2023, acontece em sua 97ª edição. Começou no dia 5 de agosto e prossegue até o dia 3 de setembro.

Acesse: Festa da Achiropita 2023 será realizada de 5 de agosto a 3 de setembro - Portal Radar

Paróquia Nossa Senhora Achiropita

9 comentários:

  1. Texto precioso, Geraldo. Uma saborosa aula de História.

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  2. Uma excelente história do bairro da Bela Vista!

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  3. Que interessante. Meus dois irmãos menores fizeram a primeira comunhão lá. Eu assistia todo Domingo a missa das 10, dos jovens, para jogar bola na quadra depois. Nossa, era uma turma grande. Saber que houve disputa pelo nome foi bem legal. Assim como saber que a Bela Vista é o único bairro que tem um apelido.

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  4. Como sempre, Geraldo Nunes, seus textos nos fazem viajar no tempo, e nas histórias de vida e de arte que inspiram e sustentam nosso imaginário! Viver é uma arte compartilhada e uma viagem sem fim!
    Vamos em frente: continuar sonhando é preciso!💖🍀💖

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  5. Obrigado Geraldo!
    Como é a acessibilidade neste local? É fácil para estacionar e se locomover?

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    1. Acessibilidade no salão de festas é boa, há um estacionamento na rua que fica atrás da igreja.

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  6. Ainda tenho um apartamento lá perto ,na rua Dr Plínio Barreto,a 200 metros da futura estação 14bis. Conheço esta igreja desde uns 8 ou 9 anos, (anos60) que me lembro e das festas, naquela época bem menor....

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