quarta-feira, 15 de junho de 2022

Sem a presença de Walter Taverna, bairro do Bixiga corre o risco de esquecer a própria história

Fiquei triste quando soube do falecimento de Walter Taverna aos 88 anos, em maio último, depois de uma forte pneumonia.

Certamente fui o repórter que mais vezes o entrevistou, tanto que dediquei a ele um capítulo inteiro do meu livro São Paulo de Todos os Tempos Volume II, onde conto a saga de vários personagens eternos desta cidade e seus bairros.

Walter tocou adiante enquanto pôde, a tradição do Bolo do Bixiga iniciada em 1986, quando São Paulo completou 432 anos.

A festa idealizada por Armando Puglisi, o Armandinho do Bixiga, comemorava o aniversário da cidade com um bolo gigante, crescendo um metro a cada ano, na Rua Rui Barbosa.

Armandinho defensor das tradições históricas do bairro não aceitava o nome Bela Vista e dizia que a escrita deveria ser feita com i: “Bixiga”.

Walter Taverna teve uma trajetória de vida bonita, mas com acontecimentos tristes, pois assim como o menino Jesus, nasceu em meio ao cheiro dos animais, no ano de 1933.

A casa onde viviam seus pais, na Rua 13 de Maio 703, ficava nos fundos de uma estrebaria.

Quando tinha cinco anos de idade assistiu sua família ser despejada em uma véspera de Natal, 24 de dezembro. 

O proprietário da casa era seu avô, Victor Taverna, um siciliano de sangue quente que se desentendeu com o filho Carmelo por causa do aluguel atrasado.

Nervoso, mandou colocar todos os móveis do filho e sua família na rua, sem se importar com a data do aniversário de Jesus.

Desesperada, a mãe de Walter Taverna, dona Modesta, mandou cada um de seus sete filhos para a casa de um parente.

O menino Walter ficou com uma tia na Bela Vista, mas um dia chutando bola, quebrou a vidraça da sala e sua tia o mandou embora.

Sem ter para onde ir ficou perambulando pelas ruas e passou a dormir enrolado em jornais nas escadarias do Morro dos Ingleses, onde está a Praça Dom Orione.

Não faltaram oportunidades para se tornar um delinquente, ficou cinco meses dormindo na rua, até que uma outra tia que morava na Vila Mariana, ficou sabendo e lhe deu abrigo.

Tia Pepina, o colocou na escola, lhe deu carinho e assim que ficou mais crescido buscou para ele não um emprego, mas algum tipo de ofício.

Ela entrava em um estabelecimento comercial e pedia ao proprietário que ensinasse ao menino sua profissão.

Foi assim que o menino Walter aprendeu vários serviços como os de barbearia, de tapeceiro, marceneiro e cozinheiro.

Na profissão de barbeiro, como não tinha um salão, batia de porta em porta em oferecendo seus serviços.

Descobriu que havia muita gente doente ou mesmo idosa que não conseguia mais sair às ruas e passou a fazer a barba ou cortar o cabelo dessas pessoas.

Quando morria alguém no Bixiga o chamavam para dar banho, pentear e vestir os defuntos.

Ele me disse que nessas horas até gostava, “porque dava para cobrar um pouco mais pelo serviço e isso me ajudava”, explicou. 

Em 1957, ao completar 23 anos com o dinheiro que ganhava como barbeiro, alugou um apartamento na Rua Dr. Luís Barreto e chamou os pais, os irmãos e irmãs para morarem com ele.

 Certo dia, depois de umas economias, seu pai alugou um carro, colocou a mãe e quatro dos sete irmãos e foram para São Roque, ver a Festa do Vinho, mas nem chegaram lá. 

No Km 27 da Raposo Tavares, o carro em que estavam bateu de frente com um outro veículo que trafegava no sentido oposto e todos morreram. 

Depois desse desastre outras tragédias pessoais aconteceram, como a morte da primeira esposa Cleonice e de dois filhos, um deles chamado Walter Taverna Júnior, vítima de um disparo acidental de arma de fogo. 

Passado mais esse baque, casou-se novamente com dona Olga Morilha e com ela montou seu primeiro restaurante no Bexiga.

Desse casamento nasceu a filha Solange, que lhe deu duas netas e um neto que passaram a ajudá-lo na Cantina da Conchetta, na Rua Treze de Maio, 560. Olga faleceu em 2004.

Mas foi com a morte de Armandinho do Bixiga, em 1994, que ficou para Walter Taverna, a tarefa de fazer o bolo de aniversário da cidade de São Paulo e assim promover o bairro.

Walter decidiu ampliar e fez o maior pão e a maior pizza do mundo, em um deles o evento foi realizado sobre a pista do Minhocão. 

Nesta cerimônia do pão, na Rua Rui Barbosa com Conselheiro Carrão, fiz minha visita e tiramos essa foto juntos.

Em seguida criou o Centro de Memórias do Bixiga, na Rua Treze de Maio 569, quando o museu criado por Armando Puglisi, na Rua dos Ingleses, passou a ter dificuldades por falta de apoiadores.


Também para Walter Taverna faltou patrocínio várias vezes e em algumas ocasiões, chegou a colocar dinheiro do próprio bolso para que a tradição se mantivesse. 

Agora sem ele o Bixiga perde seu último guardião da memória e por isso o bairro corre o risco de esquecer sua própria história. 

A velocidade de São Paulo atropela suas próprias tradições.


 


 Tchau! Taverna.

 

 

 

 

10 comentários:

  1. Ainda bem que temos um Historiador como você, Caro Geraldo Nunes. Enquanto tivermos gente como você, teremos a nossa História preservada. Obrigado...

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  2. Vou sentir muita falta

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  3. Não podemos deixar essa história acabar pois o Walter tinha um grande apresso e carinho pelo bairro deveríamos falar com a Solange e saber qual o caminho a seguir !!! Oque vcs acham dessa ideia.
    Abraços a todos os bixiguences que amam esse bairro lindo de morar, vamos levar a história pra frente.

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  4. Estou dentro da ideia de falar com a Solange

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  5. Grande Geraldo Nunes! Encantada com sua linda matéria!

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  6. 👏👏👏 Parabéns Geraldo, gradiosa matéria

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  7. Eu que fiz o bolo escrito 'Bixiga'. Seu Walter será eterno! Ass. Nádia Garcia

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  8. Bela história. Sabia dele, mas desconhecia toda a trajetória de vida. Lindo exemplo de ser humano.

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