sexta-feira, 24 de julho de 2020

Borba Gato está na mira dos manifestantes mesmo não tendo escravizado índios: Conheça a história


A História merece compreensão e não podemos enxergá-la apenas com os olhos da atualidade.

Os costumes e as sociedades mudam com o tempo e nada mais é igual ao período em que viveu o bandeirante Manuel Borba Gato, no Brasil do século 17. 

Nos meus tempos de repórter aéreo eu costumava chamar Borba Gato pelo rádio de "O gigante de Santo Amaro"
As manifestações contra o preconceito racial ocorridas após a morte do segurança George Floyd, asfixiado por um policial nos EUA, repercutiram no mundo todo.

Em Lisboa, por exemplo, a estátua do padre Antônio Vieira foi depredada porque na visão atual, o jesuíta está sendo acusado de colaborar com o colonialismo português.

O padre Antônio Vieira morou no Brasil tendo deixado escritos muitos de seus sermões de cunho político e social
Sobrou até para o Cristóvão Colombo, cuja estátua foi decapitada em Boston.

O descobridor da América convenceu o rei da Espanha de que a Terra era redonda e disse que navegando a oeste chegaria às Índias.

Seu raciocínio estava certo, mas esbarrou no continente americano e morreu sem saber direito o que havia descoberto e nem onde de fato tinha chegado.

O que os espanhóis fizeram depois com os nativos do novo mundo, não é culpa de Cristóvão Colombo.

Quem tem menos culpa nessas questões envolvendo preconceito é Cristóvão Colombo que viveu entre 1451 e 1506
Claro que a História é cheia de contradições e erros, assim sendo o que antes era motivo de glória, hoje se torna inadmissível.

A humanidade, por sua vez, sempre foi cheia de intrigas e discussões políticas. Isso acontece desde o surgimento do homo sapiens, mas houve casos no sentido inverso, como o de Tiradentes.

Enforcado e esquartejado como traidor da pátria mãe, Portugal, o alferes de Vila Rica é agora tratado com respeito pelas duas nações.

A linda estátua de Tiradentes em Ouro Preto, esculpida em granito e elevada em um pedestal com 19 metros de altura
tentativa recente de se derrubar a estátua do Borba Gato, inaugurada no bairro de Santo Amaro, em 1962, serve para provar mais uma vez que o povo brasileiro não conhece sua história.

Ao contrário dos bandeirantes que o antecederam, Borba Gato não precisou escravizar índios, pois em seu período a procura era por ouro e pedras preciosas.

Nascido por volta de 1650, casou-se com a filha de Fernão Dias Paes, o caçador de esmeraldas que foi ao sertão sob as ordens do rei Dom Pedro II, de Portugal.

Fernão Dias morreu achando que havia encontrado esmeraldas que na verdade eram turmalinas de menor valor.

Pintura faz alusão à morte de Fernão Dias Paes sem ter encontrado as tão sonhadas esmeraldas

Borba Gato prosseguiu na missão iniciada pelo sogro e mata adentro foi criando núcleos e estabelecendo habitações. 

A cidade de Sabará, em Minas Gerais, foi fundada pelo bandeirante santamarense. 

Em sua busca descobriu minas de ouro na região onde hoje está o município de Pedro Leopoldo e mais adiante na atual cidade de Ipatinga.

Após a descoberta mandou que alguns integrantes de seu grupo voltassem para comunicar aos paulistas que ele havia encontrado ouro.

Foi então procurado por um oficial de Lisboa de nome, Rodrigo Castelo Branco, representante do rei de Portugal.

Disse que tomaria posse das minas de ouro e determinou que Borba Gato retornasse imediatamente a São Paulo.

O bandeirante não aceitou, argumentando que ele próprio iria a Portugal comunicar ao rei a sua descoberta.

Houve então uma briga entre os dois e na luta Borba Gato empurrou o emissário do rei a um abismo, causando sua morte.

O crime significava o mesmo que matar o próprio rei de Portugal.

Borba Gato decidiu continuar no mato onde ficaria escondido, mas em liberdade e não retornou a São Paulo.

Ficou 16 anos refugiado, morando entre os índios e neste período entre 1682 e 1691 não há relato de que tenha escravizar os indígenas.

Os governantes, entretanto, sabiam onde ele estava por informações dos que haviam viajado com ele. 

A decisão de localizá-lo partiu do então governador-geral do Brasil, Arthur de Sá Menezes.

Ele mandou entregar a Borba Gato, uma carta de perdão pelo crime praticado, desde que avisasse onde estavam as minas de ouro descobertas.

Como se percebe também nunca houve santinhos na História e depois dessa negociação Borba Gato retornou a Santo Amaro, sua cidade natal.

Tornou-se então uma espécie de mito entre os moradores, obtendo o título de “capitão do mato”.

O historiador Paulo Setúbal escreveu de forma romântica, “Borba Gato apaulistou o sertão”.

O genro de Fernão Dias viveu 66 anos e sua morte, em 1716, veio após a contenda entre bandeirantes e os emboabas, para a exploração do ouro em Minas Gerais, mas essa é uma outra história que fica para uma outra vez.

A imaginação dos historiadores deu aos bandeirantes os trajes de couro e chapéu, na verdade andavam quase mal trapilhos
A estátua do Borba Gato, no atual bairro de Santo Amaro, foi esculpida pelo artista plástico Júlio Guerra com quem tive a chance de conversar.

Ele nasceu quando Santo Amaro ainda era um município, em 1912, pois o decreto de transformação em bairro veio em 1932.

Na ocasião da entrevista - 1995 - Júlio Guerra me contou que o bandeirante foi um antepassado seu e que em família todos falavam dele como herói.

Sua inspiração para seguir a carreira de artista plástico veio para realizar seu sonho de esculpir uma estátua para aquele que tanto admirou sua infância.

Cursou a Escola de Belas Artes, tendo sido aluno de Victor Brecheret, autor do Monumento às Bandeiras, do Ibirapuera e de quem se tornaria depois assistente.

Victor Brecheret é outro que merece uma postagem exclusiva.

Em Santo Amaro inúmeros moradores sentem orgulho em dizer que conheceram o artista plástico Júlio Guerra
Pronta a escultura em granito e mármore, foi erguida e instalada na confluência das avenidas Santo Amaro e Adolpho Pinheiro.

Depois de inaugurada, a estátua começou a ser considerada feia.

Vários apelidos foram colocados nela: bonecão, boi parado e monstrengo, entre outros.

Virou também uma referência para todo tipo de encontro ou manifestação

A foto de 1984, ano do movimento pelas Diretas Já, serve de prova que o monumento a Borba Gato serve  de referência

Júlio Guerra morreu em 2001, meses antes do lançamento do meu primeiro livro: São Paulo de Todos os Tempos Volume I.

Nesta publicação recorde de vendas pela RG Editores as histórias de Júlio Guerra sobre Borba Gato, contadas em nosso programa de rádio foram transcritas.

Um capítulo exclusivo sobre a história de Santo Amaro, Júlio Guerra e Borba Gato estão presentes neste livro


















Desfigurar ou mesmo destruir uma obra de arte é considerado crime, além disso se faria uma injustiça a Júlio Guerra grande injustiça.

Quanto à História, esta pode e deve sim ser revista para o esclarecimento de fatos passados e presentes, mas sem violência.



Um comentário:

  1. Geraldo, acho um absurdo "condenar" a história. Se eles agiram bem ou mal, fizeram o melhor que sabiam e podiam à época. Devemos sempre ser gratos aos antepassados, pois fizeram a nossa história, que proporciona a vida que temos hoje.

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