sexta-feira, 11 de fevereiro de 2022

Os hotéis de São Paulo e as histórias que poucos conhecem

São Paulo é campeã na qualidade e quantidade de hotéis em relação às demais capitais brasileiras.

A cidade perdeu recentemente o Maksoud Plaza, mas recebeu em troca o Rosewood São Paulo, primeiro hotel seis estrelas no Brasil nas dependências do complexo Cidade Matarazzo que terá até árvores nas varandas.


Pesquisas internacionais sempre mostram São Paulo entre as cidades campeãs em hospitalidade no mundo, graças à boa receptividade de seus hotéis.

Na capital paulista funcionam cerca de 1350 estabelecimentos deste tipo que recebem anualmente mais de 2,3 milhões de hóspedes.

A pandemia fez diminuir a quantidade de viagens, mesmo assim os números ainda colocam a Pauliceia na liderança do País no recebimento de turistas.

Parece surpreendente porque não há praias, o forte de São Paulo é o turismo de negócios, e mesmo aquele que vem a trabalho sempre encontra tempo para desfrutar de algum atrativo.

Existem agências que promovem pacotes de visitas a lugares como as arenas esportivas de futebol, jóquei clube, autódromo, galerias de arte, museus, além é claro, dos restaurantes.

São Paulo é a única cidade a oferecer pratos que constam no cardápio de 48 nações, por isso é chamada de “capital mundial da gastronomia”.


A história da hospitalidade paulistana, entretanto, mostra um passado nada recomendável em termos de bom-acolhimento e respeito aos turistas ou visitantes. 

No século 17, mais propriamente em 1620, existia apenas uma cama pertencente ao morador Gonçalo Pires. O restante da população dormia em redes ou simplesmente no chão.

Tal situação é descrita no livro “No Tempo dos Bandeirantes”, do cronista Belmonte, publicado em 1939. A obra é repleta de curiosidades a respeito da Piratininga do Brasil colonial.

A Câmara de Vereadores obrigou Gonçalo Pires a emprestar sua cama para uma autoridade que viria de Portugal.


Depois que o hóspede foi embora e sua cama devolvida, Gonçalo Pires apresentou um protesto por escrito à câmara municipal, conforme registro em atas da edilidade paulistana.

Se decidiu então implantar uma casa para hospedagens e um cidadão, cujo nome era Marcos Lopes, ficou encarregado de ser o hospedeiro oficial.

Seu atendimento, entretanto, foi considerado rudimentar pelos hóspedes e por tal motivo o serviço não seguiu adiante.


A falta de lugares para descanso dos viajantes, prosseguiu até a primeira metade do século 19, conforme relato do francês Auguste Saint-Hilaire em seu livro, “Visita à Província de São Paulo”.

O autor descreve que em 1819, morava no Largo do Piques um português chamado João Bexiga, que recebia em sua residência pessoas que quisessem dormir e não cobrava nada, pedia dinheiro apenas para cuidar dos cavalos.

Após passar uma noite nesse lugar, a conclusão de Saint-Hilaire foi que os cavalos acabavam sendo mais bem tratados que seus  proprietários, porque as acomodações da casa de João Bexiga eram péssimas.


Em 1826, houve uma leva de imigrantes alemães recém-chegados ao Brasil que por ordem de Dom Pedro I, vieram parar em São Paulo.

Ao chegarem se constatou que não havia lugar para eles e o grupo de alemães permaneceu esparramado pelas ruas durante alguns meses uma situação quase semelhante à dos sem-teto de hoje.

Só depois de algum tempo, é que o Senador Vergueiro teve a ideia de mandá-los para Santo Amaro onde fundaram uma colônia alemã que hoje é nome de um bairro na região de Parelheiros.


Bares noturnos surgiram a partir do ano seguinte à vinda dos alemães, 1827, por causa da implantação dos cursos jurídicos no Largo São Francisco e jovens estudantes passaram a circular pela cidade até as altas horas.

Hotéis de verdade, mas ainda precários, vieram só depois de 1850 e o primeiro deles foi o Hotel Paulistano.

Em seguida foram inaugurados os hotéis do Comércio e Universal, além deles o Hotel Quatro Nações tornou-se bem conhecido, tendo modificado seu nome depois para Hotel de França.



Mais adiante, em 1878, foi inaugurado o Grande Hotel, na Rua São Bento, cuja foto aparece acima. Em pouco tempo o lugar passou a ser considerado, o melhor do Brasil. 

Seu proprietário, Frederico Glete, recebeu em 1886, com toda pompa e circunstância, a famosa atriz francesa Sarah Bernhardt, uma das primeiras mulheres no mundo das artes cênicas a obter projeção internacional.


Jornais da época, como o Correio Paulistano, noticiaram que após sua apresentação em uma noite chuvosa no Teatro São José, estudantes da Faculdade de Direito acompanharam a atriz até a entrada do hotel de um modo cavalheiresco nunca antes visto.



Para que a diva não sujasse os sapatos na terra molhada, os jovens colocaram seus paletós no chão para que a estrela pudesse caminhar sobre eles até a entrada do hotel. 

Sarah Bernhardt mostrou-se lisonjeada com a atitude e ao agradecer, lançou beijos a todos em meio ao burburinho de vozes, assovios e aplausos.

A atriz do século 19, de tão famosa, virou marca de sabonete. Esta é apenas uma entre tantas histórias de São Paulo em seus primórdios.

Segue abaixo um anúncio de jornal sobre o show de Sarah Bernhardt.



 

Livros: 

Belmonte/No Tempo dos Bandeirantes/Editora Melhoramentos/21a. edição/São Paulo/1998

De Saint-Hilaire, Auguste/Visita à Província de São Paulo/Garnier Editora/2a edição/São Paulo/2020

Obs: Outras informações foram obtidas na entrevista com a professora Raquel D'Alessandro Pires, da Faculdade de Hotelaria da Unip e da Unisa – Sorocaba, autora da dissertação, Hotéis da Cidade de São Paulo, história e trajetória (1889-1971) em 2006.

Ouça a entrevista em podcast acessando: 

https://open.spotify.com/episode/0FBeNfBBp7NNytMSIbhqy2?si=NkTuA23sQOiqbBXbNY6qCA&utm_source=whatsapp&nd=1


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