quinta-feira, 3 de fevereiro de 2022

Monteiro Lobato x Anita Malfatti e muito mais sobre a Semana de 22

Fevereiro de 1922 foi o mês em que aconteceu a Semana de Arte Moderna que aos poucos modificou pensamentos em relação à concepção do que é arte no Brasil. O movimento modernista não foi revolucionário, mas transformador e o centenário deste encontro histórico, se dará no domingo, 13 de fevereiro de 2022.

Todos nós sabemos que nada surge de uma hora para outra, já existia na Europa ações culturais diferenciadas dos moldes tradicionais e no Brasil, em 1917, uma exposição de pinturas levantou discussões que culminaram na elaboração da Semana de 22, em resposta aos intelectuais conservadores de então.




A “Exposição de Pintura Moderna Anita Malfatti”, inaugurada no dia 12 de dezembro daquele ano, reuniu em um salão do centro de São Paulo, 53 quadros da artista que convidou para a mostra outros pintores com os quais compartilhara experiências nos Estados Unidos.

Logo na primeira semana, 8 pinturas de Anita foram vendidas, mas eis que, numa quinta-feira, 20 de dezembro de 1917, aparece nas páginas de “O Estado de S. Paulo", um texto avassalador assinado por ninguém menos que Monteiro Lobato.



Cronista e escritor já bem lido e conhecido, Lobato na coluna, até que tentou preservar Anita de sua revolta contra os modernistas, naquele tempo chamados também de futuristas.


Na crônica buscou mostrar simpatia à pintora, mas a deixou de “saia justa” ao escrever que os modernistas,
“vêm anormalmente a natureza e a interpretam à luz das teorias efêmeras, sob a sugestão estrábica de escolas rebeldes, surgidas cá e lá como furúnculos da cultura excessiva”.

Quanto a Anita ele diz: “Essa artista possui um talento vigoroso, fora do comum...Entretanto, seduzida pelas teorias do que ela chama arte moderna, penetrou nos domínios de um impressionismo discutibilíssimo, e pôs todo o seu talento a serviço duma nova espécie de caricatura. Sejamos sinceros: futurismo, cubismo, impressionismo e tutti quanti não passam de outros ramos da arte caricatural...”

O ataque do escritor de Taubaté mexeu com aquilo que a pintura de Anita Malfatti possui de mais valioso, a fuga do desenho formal de rostos e dimensões. Isto pareceu ousado demais para o pensamento conservador da época do qual o próprio Lobato fazia parte. 




Mais à frente no texto    , o escritor enfatiza: “...não fosse profunda, a simpatia que nos inspira o belo talento da sra. Malfatti, e não viríamos aqui com esta série de considerações desagradáveis.”

E prossegue: “Como já deve ter ouvido numerosos elogios à sua nova atitude estética, há de irritá-la como descortês impertinência, a voz sincera que vem quebrar a harmonia do coro de lisonjas. Entretanto, se refletir um bocado, verá que a lisonja mata e a sinceridade salva...”




Ainda que na tentativa de preservar Anita, Monteiro Lobato na verdade a deixou desconcertada, a ponto dela receber de volta 5 dos 8 quadros vendidos. O artigo foi grosseiro, de uma raiva descabida em relação aos modernistas e nunca houve alguém que testemunhasse a visita dele à exposição, ou seja, criticou sem ver.

A exposição começou perto do natal, depois vieram as festas de ano novo e uma resposta ao autor, foi apresentada quase um mês depois, por Oswald de Andrade, assinando com as iniciais, O.A. nas páginas do "Jornal do Comércio".

Ao fazer a defesa da artista, Oswald elogiou o pioneirismo e originalidade das pinturas, só que em 18 de janeiro de 1918, um dia após o término da exposição.



Uma discussão entre de Mário de Andrade e Monteiro Lobato, foi retratada na minissérie, “Um Só Coração”, de Maria Adelaide Amaral, levada ao ar em 2004, pela Rede Globo. A conversa suscitou no rompimento entre os dois.




Monteiro Lobato manteve-se irredutível em seu parecer, a ponto de relançar a crítica em seu livro, "Ideias de Jeca Tatu", de 1919, com o título “Paranoia ou Mistificação”.

Em resposta ao que consideravam intransigência do escritor, os empresários e mecenas Paulo Prado, Rene Thiollier e outros, paulistanos endinheirados da época, decidiram financiar a criação da Semana de Arte Moderna de 1922, escolheram o espaço cultural mais caro, requintado e desejado da cidade, o Teatro Municipal de São Paulo.

Ao relembrar os 100 anos da Semana de 1922 tenho dedicado meu tempo a refletir as razões pelas quais ainda não surgiram no Brasil do século XXI, mentes criadoras que possam trazer inovações aos nossos meios culturais, artísticos e musicais como aconteceu na São Paulo de outrora.

Aprecie abaixo duas outras obras da artista plástica Anita Malfatti.

O Farol - 1917
Homem Amarelo - 1917

Leia nosso artigo: https://blogdogeraldonunes.blogspot.com/2022/01/brasil-2022-segue-parado-na-linha-do.html

Fontes:

Monteiro Lobato/Artes e Artistas /O Estado de São Paulo/20/12/1917

Portal Outras Palavras: A exposição de Anita Malfatti - 26/04/2014

Portal Toda Matéria: Anita Malfatti por Daniela Diana, professora licenciada em Letras

Andrade, Oswald/Um homem sem profissão/2ª. ed. Rio de Janeiro/Civilização Brasileira/1976

Lobato, José Bento Monteiro/Ideias de Jeca Tatu/35a ed. São Paulo/Editora Brasiliense/1973



4 comentários:

  1. Crítica feita por um grande escritor é outro história né? Delicioso ler que suas críticas "quebram a harmonia do coro de lisonjas", e o comentário de que as variações do Modernismo seriam "ramos da arte caricatural". Interessante ler isso. Curiosamente hoje em dia Rui Castro tem feito uma releitura da importância dessa Semana de Arte Moderna. Saiu no Estadão uma entrevista em que ele fala que muito feito pelos "paulistas" já era praticado pelos escritores do Rio de Janeiro então... Bem, o fato é que críticas ferinas sempre geram ibope, cá estamos falando de Lobato até hoje... rsrs. Ótima síntese, valeu!

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  2. É sempre bom lembrar que os futuristas , chamados entre nós de modernistas, eram fortes apoiadores do fascismo e que a semana de arte de 22 foi uma manifestação elitista e colonizada.

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  3. Uma interessante abordagem que bem ilustra a intransigente e sólida postura realista de Monteiro Lobato diante da arte moderna, descolada dos rigores estéticos até então dominantes.
    Todavia, Lobato, sempre polêmico e contundente, não foi um conservador retrógrado, como pode soar em sua feroz crítica ao futurismo, mas sim um visionário, como se depreende de sua feroz luta pelo petróleo, o que lhe custou a liberdade.
    O escritor taubateano desejou estudar artes, mas, por influência do avô, enveredou pelo saber jurídico, o que demonstra ter possuído um bom senso estético, mas não comungava com a modernidade que aportou no país em 1922, o que provocou sua forte reação.

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