Fevereiro de 1922 foi o mês em que aconteceu a Semana de Arte Moderna que aos poucos modificou pensamentos em relação à concepção do que é arte no Brasil. O movimento modernista não foi revolucionário, mas transformador e o centenário deste encontro histórico, se dará no domingo, 13 de fevereiro de 2022.
Todos nós sabemos que nada surge de uma hora para outra,
já existia na Europa ações culturais diferenciadas dos moldes tradicionais e no Brasil, em 1917, uma exposição de pinturas levantou discussões que culminaram na elaboração da Semana de 22, em resposta aos intelectuais conservadores de então.
Logo na primeira semana, 8 pinturas de Anita foram
vendidas, mas eis que, numa quinta-feira, 20 de dezembro de 1917, aparece nas
páginas de “O Estado de S. Paulo", um texto avassalador assinado por ninguém menos que Monteiro
Lobato.
Cronista e escritor já bem lido e conhecido, Lobato na coluna, até que tentou preservar Anita de sua revolta contra os modernistas, naquele tempo chamados também de futuristas.
Na crônica buscou mostrar simpatia à pintora, mas
a deixou de “saia justa” ao escrever que os modernistas, “vêm
anormalmente a natureza e a interpretam à luz das teorias efêmeras, sob a
sugestão estrábica de escolas rebeldes, surgidas cá e lá como furúnculos da
cultura excessiva”.
Quanto a Anita ele diz: “Essa artista possui um talento vigoroso, fora do comum...Entretanto, seduzida pelas teorias do que ela chama arte moderna, penetrou nos domínios de um impressionismo discutibilíssimo, e pôs todo o seu talento a serviço duma nova espécie de caricatura. Sejamos sinceros: futurismo, cubismo, impressionismo e tutti quanti não passam de outros ramos da arte caricatural...”
O ataque do escritor de Taubaté mexeu com aquilo que a pintura de Anita Malfatti possui de mais valioso, a fuga do desenho formal de rostos e dimensões. Isto pareceu ousado demais para o pensamento conservador da época do qual o próprio Lobato fazia parte.
E prossegue: “Como já deve ter ouvido numerosos
elogios à sua nova atitude estética, há de irritá-la como descortês
impertinência, a voz sincera que vem quebrar a harmonia do coro de lisonjas.
Entretanto, se refletir um bocado, verá que a lisonja mata e a sinceridade
salva...”
A exposição começou perto do natal, depois vieram as festas de ano novo e uma resposta ao autor, foi apresentada quase um mês depois, por Oswald de Andrade, assinando com as iniciais, O.A. nas páginas do "Jornal do Comércio".
Ao fazer a defesa da artista, Oswald elogiou o pioneirismo e originalidade das pinturas, só que em 18 de janeiro de 1918, um dia após o término da exposição.
Em resposta ao que consideravam intransigência do escritor, os empresários e mecenas Paulo Prado, Rene Thiollier e outros, paulistanos endinheirados da época, decidiram financiar a criação da Semana de Arte Moderna de 1922, escolheram o espaço cultural mais caro, requintado e desejado da cidade, o Teatro Municipal de São Paulo.
Ao relembrar os 100 anos da Semana de 1922 tenho dedicado meu tempo a refletir as razões pelas quais ainda não surgiram no Brasil do século XXI, mentes criadoras que possam trazer inovações aos nossos meios culturais, artísticos e musicais como aconteceu na São Paulo de outrora.
Aprecie abaixo duas outras obras da artista plástica Anita Malfatti.
O Farol - 1917
Homem Amarelo - 1917
Fontes:
Monteiro Lobato/Artes e Artistas /O Estado de
São Paulo/20/12/1917
Portal Outras Palavras: A exposição de Anita Malfatti
- 26/04/2014
Portal Toda Matéria: Anita Malfatti por Daniela Diana,
professora licenciada em Letras
Andrade, Oswald/Um homem sem profissão/2ª. ed. Rio de
Janeiro/Civilização Brasileira/1976
Lobato, José Bento Monteiro/Ideias de Jeca Tatu/35a ed. São Paulo/Editora Brasiliense/1973
Gostei muito do artigo. Excelente
ResponderExcluirCrítica feita por um grande escritor é outro história né? Delicioso ler que suas críticas "quebram a harmonia do coro de lisonjas", e o comentário de que as variações do Modernismo seriam "ramos da arte caricatural". Interessante ler isso. Curiosamente hoje em dia Rui Castro tem feito uma releitura da importância dessa Semana de Arte Moderna. Saiu no Estadão uma entrevista em que ele fala que muito feito pelos "paulistas" já era praticado pelos escritores do Rio de Janeiro então... Bem, o fato é que críticas ferinas sempre geram ibope, cá estamos falando de Lobato até hoje... rsrs. Ótima síntese, valeu!
ResponderExcluirÉ sempre bom lembrar que os futuristas , chamados entre nós de modernistas, eram fortes apoiadores do fascismo e que a semana de arte de 22 foi uma manifestação elitista e colonizada.
ResponderExcluirUma interessante abordagem que bem ilustra a intransigente e sólida postura realista de Monteiro Lobato diante da arte moderna, descolada dos rigores estéticos até então dominantes.
ResponderExcluirTodavia, Lobato, sempre polêmico e contundente, não foi um conservador retrógrado, como pode soar em sua feroz crítica ao futurismo, mas sim um visionário, como se depreende de sua feroz luta pelo petróleo, o que lhe custou a liberdade.
O escritor taubateano desejou estudar artes, mas, por influência do avô, enveredou pelo saber jurídico, o que demonstra ter possuído um bom senso estético, mas não comungava com a modernidade que aportou no país em 1922, o que provocou sua forte reação.